Lições em jogo

A. P. Leme Lopes

  • Há quem defenda que a Segunda Guerra Mundial poderia ter sido bem mais curta, limitando-se à Europa, se os aliados tivessem declarado guerra à Alemanha em 1938 para defender a Tchecoslováquia. Milhões de vidas teriam sido poupadas. Mas, recentemente, o jornalista Paul Mason, editor de economia da BBC, descobriu que essa opção era impossível. Como? Por meio do Hearts of Iron III, um jogo de computador lançado em 2009 que simula a história do mundo entre 1936 e 1947.

    Mason resolveu jogar controlando a França. Sua estratégia era reequipar o exército rapidamente, intervir na Guerra Civil Espanhola, assinar tratados defensivos com outros países europeus e declarar guerra à Alemanha antes que ela pudesse ocupar a Tchecoslováquia. Em pouco tempo, ele descobriu que o mecanismo do jogo não permitiria tais manobras. A neutralidade da população francesa, assim como a dos britânicos e americanos, era muito alta, e a popularidade de seus políticos muito baixa. O Ocidente estava preocupado com seus próprios problemas e não queria uma nova guerra contra a Alemanha.

    O “laboratório” usado por Mason para “experimentar” o século XX europeu foi um jogo de computador que lhe ensinou muitas lições. Apesar de isso parecer uma tendência muito recente, os jogos, de fato, podem ensinar e são métodos pedagógicos bastante antigos. Por muito tempo ficaram confinados à primeira infância, mas hoje ajudam soldados a se movimentar em um tiroteio, cirurgiões a ter mais precisão em seus movimentos, homens de negócio a navegar no aparente caos do mercado financeiro e – por que não? – ajudam a entender os mecanismos da História.

    Neste caso, não se trata apenas dos chamados “jogos educativos”. Desde que a indústria de games começou, os educadores têm tentado utilizá-los pedagogicamente, separando aqueles que são considerados sérios, ou seja, capazes de educar, dos que são apenas divertidos. Os “sérios” seriam, por exemplo, os que são oferecidos no site do Prêmio Nobel - www.nobelprize.org/educational, enquanto os ”divertidos” seriam os comerciais. Hoje em dia, no entanto, cada vez mais o objetivo é fazer com que jogos “sérios” sejam também divertidos. Nada mais equivocado. Se esta divisão fosse procedente, os educativos não seriam divertidos. Mas quem, em seu juízo perfeito, se interessaria em passar o tempo fazendo algo chato?

    Agora, essa separação perdeu o sentido, e os professores estão explorando de forma direta os jogos comerciais. O motivo da mudança é que, nas últimas décadas, esses produtos se transformaram. Os tempos do Banco Imobiliário (1935) e do Pac-man (1980) ficaram para trás, e o que antes parecia apenas uma brincadeira ficou incrivelmente sofisticado e interessante. As vantagens reais sobre os métodos tradicionais são evidentes. Em primeiro lugar, o aluno se sente mais motivado frente a uma atividade divertida que de uma tarefa tradicional. Essas competições, ainda por cima, podem ser repetidas com muito mais empenho e interesse do que uma leitura ou um filme, e fazem com que o aluno sinta a História como parte de sua vida.

    O jogo de tabuleiro Republic of Rome (1990), por exemplo, coloca o jogador no comando de uma facção do Senado romano. Por meio de negociações com os demais jogadores, ele tentará eleger seus senadores para os cargos estatais – consulado, censura e pontificado –, buscar a glória no campo de batalha e transformar um dos membros de seu grupo no homem mais poderoso de Roma. Já Europa Universalis (2000) recria no computador mais de quatro séculos de História (1399-1820), permitindo que o participante controle todos os Estados que existiram nesse período, incluindo o Império Inca, a China Ming, o reino de Portugal e a cidade-Estado de Ragusa – atual cidade de Dubrovnik, na costa adriática da Croácia.

    Sem dúvida, os jogos históricos são um grande filão da indústria e, por isso, existem em profusão, englobando todas as épocas e temas. A História Antiga, por exemplo, pode ser revista em Age of Empires (1987), um clássico no qual os usuários levam sua civilização da idade da pedra à criação de um poderoso império. Já em Thebes (2007), o jogador é um arqueólogo que busca artefatos antigos para expô-los em museus europeus, enquanto em After the flood (2008) é feita uma simulação da luta pela hegemonia entre as antigas cidades da Mesopotâmia.

    A História Medieval, por sua vez, já foi repassada por Britannia (1986), em que o jogador interage com as lutas e migrações dos povos da Grã-Bretanha até a invasão normanda de 1066. O mesmo período foi revisto por Antiquity (2004), que punha o usuário no controle de uma pequena região da Itália medieval e lhe permitia construir sua cidade, escolher seu santo padroeiro e explorar o território adjacente.

    Já Pirates (1987) e Colonization (1994) são exemplos de jogos de computador passados na História Moderna, que simulam a colonização da América, entre os séculos XVI e XVIII, e do Caribe no século XVII. Fatos históricos bem mais recentes são abordados por Twilight Struggle (2005) – que simula a Guerra Fria (1946-1991) – e Labyrinth: the war on terror (2010), no qual os jogadores participam da guerra ao terror comandando os EUA ou a Al-Qaeda.

    Todos esses exemplos são muito mais que simples experiências de história alternativa, pois oferecem oportunidades reais de aprendizado. Kurt Squire, professor de Tecnologia da Educação na Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA, estudou a integração do jogo Civilization III (2001) à sala de aula. Em suas experiências, os alunos foram capazes de apreender conceitos como “monarquia”, “metalurgia” e “monoteísmo”, além de identificar sua influência no desenrolar do processo histórico. Suas pesquisas fizeram com que ele fosse convidado a participar do desenvolvimento da continuação do Civilization IV (2005), o que demonstra que as fábricas também estão preocupadas com o potencial educativo de seus títulos. Já James Paul Gee, professor de Literatura na também norte-americana Universidade Estadual do Arizona, descobriu mais de 25 princípios de aprendizagem embutidos no design do jogo de computador Rise of Nations (2003), que simula a trajetória de 18 civilizações da pré-história à era nuclear. Motivação para envolvimento estendido e preparação para aprendizado futuro são alguns desses princípios.
    Mas há uma limitação para se usar essas criações nas salas de aula brasileiras: a ausência quase completa de projetos desse tipo relacionados à história de nosso país. Isso acontece porque a grande maioria desses produtos é produzida no exterior, sendo a Alemanha, o Japão e os Estados Unidos os maiores produtores e consumidores.

    A melhor tentativa de preencher essa lacuna foi o Jogo da Cabanagem (2008), desenvolvido pelo Laboratório de Realidade Virtual da Universidade Federal do Pará. Nele, o usuário assume diversos personagens no total de cinco missões, que abrangem o período de 1821 a 1835. Seu jogador pode “participar” do movimento cabano ou, simplesmente, passear pela Belém do século XIX e conhecer seus monumentos históricos. Outro exemplo é Capoeira Legends (2009), que abrange escravidão e capoeira no século XIX. A ocupação humana e a preservação do cerrado são temas de outra produção, que vem sendo desenvolvida pelo designer Renato Berlim junto à Universidade de Southampton e testada com sucesso pela Fundação Educacional do Distrito Federal.

    O uso dessas “ferramentas pedagógicas” está apenas no início, mas vai muito além de um modismo. As pesquisas acadêmicas no ramo começaram de forma extensiva há menos de dez anos e já abrangem diversas áreas do conhecimento, como Pedagogia, Informática, Linguística, Antropologia e História. O potencial é grande, mas ainda há poucos pioneiros no Brasil dedicados a explorá-lo. E então? Vamos jogar História?

    André Pereira Leme Lopes é professor da Universidade de Brasília.



    Saiba mais - Bibliografia

    MATTAR, João. Games em educação: como os nativos digitais aprendem. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010.

    PRENSKY, Marc. “Não me atrapalhe, mãe – eu estou aprendendo!”: como os videogames estão preparando nossos filhos para o sucesso no século XXI – e como você pode ajudar. São Paulo: Phorte, 2010.


    Saiba Mais - Internet

    www.capoeiralegends.com.br

    Comunidades virtuais (Uneb)
    www.comunidadesvirtuais.pro.br/triade/projeto.htm

    Laboratório de Realidade Virtual
    www.larv.ufpa.br