Não é de hoje que se vestir bem e ser considerado elegante são características que dão ao sujeito certo status. Mas produzir roupas que caiam bem exige ciência e conhecimento. Exatamente por isso, omanual Elaboração e instruções do corte futurista: novo sistema na arte indumentária,publicado em 1939 e guardado na Divisão de IconografiadaBiblioteca Nacional, promete ensinar o “único método eficaz” para fazer de uma tacada só os moldes para corte de todos os tipos de roupas masculinas. De acordo, claro, com a moda brasileira do fim dos anos 1930.
A década começou sob a influência da crise capitalista de 1929, que se refletiu no vestuário: as roupas, além de mais sóbrias, também precisavam ser mais acessíveis. Se antes eram feitas exclusivamente de forma artesanal, começam a ser produzidas em larga escala, com a introdução de novos métodos de fabricação e demandando cada vez mais mão de obra especializada. No Rio de Janeiro e em São Paulo surgiram muitos cursos de corte e costura e publicações que traziam moldes para homens e mulheres.
O idealizador do manual,João Alberto Costa, diz esperar que não se veja no método “qualquer resquício de vaidade”, pois o que deseja é ensinar o que sabe com “facilidade e eficiência” e auxiliar os que precisam. Mas isso não significa que propusesse que cada um fizesse sua própria roupa. O autor tinha a pretensão de orientar especificamente os alfaiates, ditando bons cortes e elegância. Diante do progresso industrial e da mecanização, o manual defendia que há trabalhos que só a mão humana é capaz de executar. Tanto que os “traços, contornos e explicações” do método “irradiam-se do laboratório desta profissão”.
Para afiançar a eficiência da novidade, a publicação conta com o testemunho de “Mestres das Tesouras de S. Paulo”: cinco senhores distintos, proprietários de alfaiatarias ou contramestres, com fotografias, nomes e endereços. Eles declaram que “o Corte Futurista é o único que satisfaz plenamente a arte do corte, pelo motivo de serem os seus traçados baseados em medidas diretas e controladas.”
Em seguida, há ainda fotos e nomes dos seis alunos que estudavam o método. Naquele tempo, a alfaiataria – confecção de calças, paletós, coletes e tailleurs, consideradas peças de maior complexidade – era dominada pelos homens e ainda havia resistência à inserção da mulher na atividade. Não que ela estivesse ausente dessa cadeia produtiva: às mulheres eram destinados os trabalhos mais “braçais” da costura, como a junção dos tecidos e os demorados acabamentos, enquanto os homens ocupavam os postos mais elevados, como alfaiates, cortadores e contramestres, recebendo maiores salários. A moda feminina, por sua vez, já contava com uma participação maior das mulheres em sua concepção. Era crescente o número de modistas trabalhando em ateliês próprios.
O método é apresentado de forma eloquente e “científica”: “seus traços e dimensões são prática e teoricamente preestabelecidos, medidos e cotejados no corpo do homem, apanhando-se-lhe todos os relevos e contrastes, em que se formam e assentam as bases da vestimenta.”
O passo a passo da aula de corte era detalhista. Explicava, por exemplo, que, antes de se chegar aos desenhos e ao corte, é preciso aprender a tirar corretamente as medidas do cliente para que as proporções do método possam ser aplicadas de forma eficiente, evitando “erros desagradáveis”. Afinal, ninguém quer terminar com uma roupa sob medida que não lhe cabe.
Para aprender a medir, além de desenhos esquemáticos, há longas instruções. Deve-se colocar uma cinta no cliente, verificando sua altura em relação ao piso em diferentes pontos para que fique bem horizontal. Daí localiza-se uma dúzia de pontos (na própria cinta e ao longo dos ombros), cujas distâncias têm que ser medidas para serem usadas de acordo com o método. Só depois de tudo bem medido, é chegada a hora de utilizar os desenhos e as instruções para casacas, paletós, calças, coletes, smoking, dinner jacket... Ao todo, são 19 esquemas abrangendo todas as peças do vestuário masculino.
Como a elegância não deve estar apenas ao alcance dos agraciados com um belo porte, o Corte Futurista prevê também que se vistam elegantemente os “defeitos anatômicos em corpos de conformação anormal”. Seis gráficos mostram como adaptar os moldes para disfarçar um abdômen saliente, espáduas estreitas em corpo inclinado para trás, corcunda ou com ombros desiguais. Ninguém é perfeito, mas o caimento há de ser!
Mãos de tesoura
Regina Helena Santiago