Quando me mudei para Goiás e decidi fazer o mestrado na UFG, a escolha do tema de pesquisa ligou-se aos problemas observados no estado: a luta pela terra, presença quase diária nos jornais, era ferrenha, frequentemente sangrenta. De um lado, posseiros, índios e pequenos proprietários; de outro, o latifúndio e seus proprietários, além de grileiros. Índios e posseiros também se estranhavam. Os braços do Estado e a Igreja Católica (através da Comissão Pastoral da Terra) apareciam de um lado ou do outro. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) elaborava projetos buscando a incorporação de capitais privados, desorganizando comunidades pioneiras. Resolvi, então, desvendar as origens históricas do latifúndio goiano. O recorte temporal da pesquisa foi o período entre a Lei de Terras (1850) e a entrada da estrada de ferro em Goiás (1913).
A primeira fase dos trabalhos revelou-se relativamente fácil. Os “registros paroquiais” goianos, sob a guarda da Procuradoria Geral do Estado, estavam acessíveis e bem conservados, fornecendo-me um “mapa” inicial da situação fundiária da província. As dificuldades começaram quando a pesquisa voltou-se para os cartórios de registro de imóveis dos municípios. De saída, precisei de uma autorização do Corregedor Geral do Estado de Goiás para que pudesse ter acesso à documentação. Em minha peregrinação pelos cartórios do interior do estado, encontrei livros com contratos de compra e venda de imóveis e livros de registros em péssimo estado de conservação: muita poeira e desorganização, às vezes em condição de quase destruição. Em alguns cartórios, coube-me deixar o material ao menos limpo e organizado.
Em outros, no entanto, o acesso direto aos livros não me era permitido, tendo que solicitar os volumes que desejava. Argumentavam que tal cuidado devia-se à responsabilidade pela guarda dos documentos, uma vez que grileiros utilizavam registros históricos para forjar cadeias dominiais. Num desses cartórios, a mesa que me foi destinada estava voltada para a parede, de costas para os funcionários, a pretexto de não interferir na rotina do trabalho. As dificuldades da pesquisa eram ainda maiores no contexto da tensa situação política vivida pelo país e da luta pela terra, nos anos 1970.
Apesar das dificuldades, consegui levantar mais de mil transações de terra em Goiás. Hoje, podemos observar que o tema da pesquisa não envelheceu – infelizmente. A luta pela terra em Goiás – e no Brasil – ainda ocupa o noticiário: “sem terra” e índios continuam enfrentando empresários rurais, enquanto governos encadeiam projetos sucessivos em busca de soluções para o problema.
Maria Amélia Garcia de Alencar é professora da Universidade Federal de Goiás.