Maria Rita Kehl

Nashla Dahás

  • Nesta rápida conversa com a RHBN, a psicanalista Maria Rita Kehl, vencedora do prêmio Jabuti de Literatura com o livro O Tempo e o Cão – A Atualidade das Depressões (Boitempo, 2009), traz algumas percepções sobre homossexualidades e gênero na cena contemporânea. 
     
    Durante a Parada Gay de Brasília, em 2010, manifestantes pediram aprovação de projeto que criminalize a homofobia. (Imagem: AGÊNCIA BRASIL / FOTO RODRIGUES POZZEBOM)RH – Como a psicanálise contribui para a singularidade dos sujeitos nas sociedades de massa? 
    MRK – As primeiras pacientes do Dr. Freud [1856-1939] não se sentiam inadaptadas às tendências das massas, e sim aos padrões familiares, por um lado, e à moral oitocentista (ainda vigente até pelo menos antes da Primeira Guerra), por outro. Como as primeiras pacientes de Freud eram mulheres, posso afirmar que ele próprio era um sujeito muito convencional. Claro que a psicanálise visa à singularidade do sujeito. Não gosto de afirmar isto, mas acho que a invenção das singularidades, com a enorme diversidade que existe hoje, deve um pouco a Freud, um pouco à indústria cultural e um pouco aos próprios interesses da sociedade de consumo, para a qual a diversidade pode ser lucrativa.
     
    RH – Como avalia as mudanças na percepção social da homossexualidade? 
    MRK – Não sou estudiosa do assunto. Empiricamente, como cidadã brasileira de uma grande cidade (onde os homossexuais são um pouco mais aceitos) e psicanalista, vejo que a grande mudança é que hoje não é tão frequente encontrar pessoas que escondam sua homossexualidade. Nem mesmo as manifestações de homofobia (que são pontuais, mas perigosas) fazem com que os homossexuais voltem para o "armário". Ponto para eles!
     
    RH – Do ponto de vista do inconsciente, existe diferença entre a constituição dos gêneros? Como isso ocorre? 
    MRK – A resposta a esta pergunta é um curso de pós-graduação em psicanálise. Mas posso resumir um conceito freudiano: "a premissa universal do falo". Do ponto de vista do desejo inconsciente, as mulheres não aceitariam sua sexualidade, pois comparado ao do homem, o órgão sexual feminino poderia ser considerado inferior. Esta é a "teoria sexual infantil": os homens seriam fálicos e as mulheres se sentiriam inferiores por serem "castradas", já que seu órgão sexual é invisível. A inveja seria tipicamente feminina, a tendência à competição/exibição (quem tem o falo maior?), tipicamente masculina. Mas estas são linhas teóricas gerais. A constituição dos sujeitos, tanto homens e mulheres no sentido normativo quanto os "desviantes" (homossexuais, transexuais etc.), tem que ser investigada caso a caso.
     
    RH – Como os movimentos homossexuais atuais se distinguem dos seus antecessores? 
    MRK – Não conheço muito sobre os movimentos homossexuais, só sei deles o que sai na imprensa; mas como observadora leiga, observo, em primeiro lugar, que a massa de manifestantes LGBT cresce a cada ano, e a diversidade de "opções" sexuais (se é que são opções, pois para a psicanálise nós não escolhemos nossa sexualidade, ela é que nos escolhe) também.