Dos salões da corte às vielas de cidades do interior, as modinhas dominavam o cenário musical do Brasil oitocentista. Em viagem aos trópicos, os naturalistas alemães Carl Friedrich Von Martius e Johann Baptist Von Spix se encantaram pelos ritmos entoados na América portuguesa e registraram algumas composições em seus cadernos de campo. Ao voltarem para a Europa, a dupla publicou um Anexo Musical junto à sua Viagem pelo Brasil (1817-1821), obra que conta com arranjos originais em piano e voz de centenas de canções (algumas indígenas) e se tornou referência para a história da música brasileira. Até recentemente, pouco se sabia sobre a edição desta publicação. Neste ano, um estudo desenvolvido no Núcleo de Pesquisa em Ciências da Performance em Música da USP será publicado em formato de livro-CD, trazendo à tona a transcrição de arranjos inéditos que não chegaram a ser publicados no original.
O professor Rubens Russomanno Ricciardi, coordenador do núcleo, foi à Alemanha pesquisar em arquivos e bibliotecas para descobrir detalhes da obra, lançada na Europa em 1826. “Uma novidade é que há poemas inéditos nas fontes primárias de Martius que não foram publicadas na Viagem pelo Brasil”, informa o pesquisador, acrescentando que as canções encontradas estão sendo gravadas por músicos da escola. “No CD, constam duas versões completas das modinhas. Uma com acompanhamento de viola caipira e outra com acompanhamento original de piano, bem como uma nova versão do lundu”.
A partir da análise da correspondência entre os amigos von Martius e o poeta alemão Goethe, os pesquisadores chegaram ao nome de Theodor Lachner (1795-1877), que compôs os arranjos publicados no Anexo, mas que nunca havia sido citado. “É possível que tenha atuado até mesmo na composição das melodias. Lachner foi responsável também pela edição do lundu e das melodias indígenas”, comenta Ricciardi, que acredita que as canções indígenas tenham sido bastante modificadas pela interpretação do compositor que mediou os registros originais e a publicação final da obra.
O musicista Guilherme de Camargo, curador da Biblioteca Digital Vox Brasilis e estudioso das modinhas do século XIX, ressalta a relevância do Anexo Musical para a história da música brasileira. “A importância deste registro está na possibilidade de acesso a este repertório que, de outra forma, teria se perdido. Além disto, é um dos poucos registros ecléticos no século XIX que conta não apenas com a música de salão”. Antes de 1833, não há registro de música brasileira impressa e editada nessas terras, o que torna esta obra ainda mais fundamental.
Melodias dos oitocentos
Alice Melo