Memória e transformação

Déborah Araujo

  • Quase três décadas após o fim da ditadura civil-militar, muitos resquícios permanecem na cidade do Rio de Janeiro, às vezes sem quase ninguém perceber. Seja o nome de um general numa praça, ou uma casa que serviu como “aparelho”, ou até mesmo o nome de uma rua em homenagem a um militante preso. A partir de informações como estas, foi desenvolvido o site Cartografias da Ditadura, uma ação dentro do projeto Memória, Verdade e Justiça, do Instituto de Estudos da Religião (Iser), sociedade civil que atua no campo dos Direitos Humanos. “Queremos fazer um debate sobre a violência de ontem, e como perdura até os dias de hoje”, declara Tiago Régis, pesquisador do Iser e um dos idealizadores da ação.

    As Cartografias foram lançadas no dia 26 de março, época da “descomemoração” do aniversário de 50 anos do golpe. Reúne informações de diferentes pontos na cidade do Rio de Janeiro marcados de distintas maneiras: aparelhos – endereços usados por grupos políticos clandestinos; espaços de homenagem; lugares onde houve atentados ou manifestações; ou locais relacionados às prisões, torturas, mortes ou aos desaparecimentos de opositores da ditadura. Segundo Régis, um dos objetivos da ação é pensar “políticas de memória no âmbito de transformação de espaços que outrora foram lugares de sofrimento e agonia para os militantes que lá estiveram presos, e transformá-los em espaços de memória que tragam à tona a dimensão da luta dessas pessoas”.

    Nos primeiros dois meses das Cartografias, foram mapeados 50 lugares, cada qual marcado por objetivos diferentes. “Uma coisa é você marcar a Praça Médici para mostrar para as pessoas um lugar com o nome de um ditador e fazê-las refletir sobre a validade deste tipo de memória. É isso que queremos para nossa cidade?”, exemplifica Gustavo Simi, pesquisador do Iser. “Queremos promover discussão sobre a importância de dar visibilidade à memória de vidas destroçadas pela ditadura, como a Estação Engenheiro Rubens Paiva. Até quem passa pela estação não deve saber quem foi Rubens Paiva”.

    Eles planejam incluir outras cidades do estado do Rio no mapa. Para isto, será necessária a colaboração de pessoas físicas e grupos de pesquisa, como o Programa de Ensino Tutorial (PET) do curso de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), que pesquisou sobre os atentados. “Uma de nossas metas é estimular o espírito crítico”, declara Maurício Parada, tutor do PET.

    Para Luciana Lombardo, professora de História da PUC-Rio, com a cartografia nas mãos, qualquer pessoa interessada em conhecer um pouco melhor as memórias dos lugares terá condições de olhar para as ruas, as praças, os prédios e as calçadas de pedras portuguesas da cidade de outra maneira. “Acredito que essa ação poderá se beneficiar muito com a participação daqueles que têm histórias para contar sobre um passado ainda pouco conhecido da cidade”, completa.