Memória virtual

Roberto Kaz

  • Silvio Santos para presidente. Enéas Carneiro prometendo criar “a era da convicção, da verdade, da decência, da dignidade, da ordem e da autoridade”. Leonel Brizola dizendo ser “o único político com a coragem de denunciar o monopólio da Globo”. Chico Buarque, Gilberto Gil e Djavan cantando juntos “Lula lá”. Tem mais. Muito mais. Para quem quiser ver História no computador, o YouTube oferece uma variedade enorme de filmes.

    O portal YouTube (www.youtube.com) virou febre mundial, com filmes que vão de clipes musicais bastante elaborados a produções caseiras para lá de mambembes. Tem de tudo um pouco: erro de apresentador de TV, entrevista com intelectual, drible de Ronaldinho Gaúcho e discurso de Osama Bin Laden. Mas para quem prefere assistir a cenas um pouco mais consolidadas pelo peso da História, o portal não faz por menos.

    Assim, é possível encontrar um vídeo feito pelo governo americano em comemoração à entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. O documento –
    com imagens de Getulio Vargas – diz que os Estados Unidos acabam de ganhar “um aliado novo e poderoso, cujo território cobre 47% da América do Sul”. Em seguida, o narrador pergunta como o Brasil pode ajudar os EUA a vencer a guerra. E, novamente, exalta os números do país: “são mais de 45 milhões de habitantes”.

    Para quem preferir conhecer o outro lado da Segunda Guerra, o YouTube apresenta centenas de vídeos de Hitler discursando perante a juventude nazista. Não só ele: há também cenas de Goebbels e de filmes dirigidos pela cineasta Leni Riefensthal, que apoiava o regime nacional-socialista.

  • Mas para quem não se interessa tanto pela História mundial e prefere ficar apenas em território brasileiro, a oferta de vídeos ainda é grande. O portal tem um minidocumentário feito por Fernando Gabeira sobre o enterro de Tancredo Neves. E, a partir daí, há programas eleitorais das campanhas de 1989, 1994, 1998, 2002 e 2006. A lógica é a seguinte: quanto mais recente o ano, mais vídeos disponíveis. Sobre as eleições de 1989 há menos de dez filmes. Sobre a de 2006, mais de cem – reflexo de uma época em que a produção de informação se multiplicou em escala geométrica.

    Marieta de Moraes Ferreira, professora do IFCS/UFRJ especializada em História do tempo presente, diz que o excesso de documentos que a era digital proporciona “não chega a ser nefasto”:

    – Alguns autores sugerem que o acúmulo inviabiliza o trabalho com a história do tempo presente. Mas se o historiador delimita a sua temática de pesquisa, é possível entrar nesse emaranhado e extrair algo dele. O resultado me parece ser positivo, pois a oferta exacerbada de documentos não é prejudicial à História.

    Marieta aponta um único problema em relação à produção historiográfica atual:

    – É preciso analisar com cuidado as fontes. Antigamente era mais difícil alterar ou falsificar um documento. Com a fotografia digital, é possível manipular as imagens sem que ninguém perceba; os historiadores precisam estar atentos a esses desafios.