O ano só estava começando, mas fazia semanas que o salão da Divisão de Música e Arquivo Sonoro (Dimas) da Biblioteca Nacional vivia apinhado de gente. Era 1996, quando se completavam cem anos da morte do compositor Carlos Gomes (1836-1896). O motivo do burburinho – feito por jornalistas, músicos e pesquisadores – estava atrás das estantes: um dos acervos mais significativos e raros do músico era guardado ali. Ainda é. Parte dele acaba de receber a nominação no Registro Nacional do Programa Memória do Mundo, da Unesco.
A premiação representa o reconhecimento da riqueza do material. Para a coordenadora da Dimas, Elizete Higino, é mais do que merecido: “O prêmio é simbólico, mas significativo. Sem dúvida, o nome da Unesco joga luz sobre esse acervo e estimula iniciativas de preservação”.
Quando saiu o edital do programa, começou uma corrida em vários setores da Biblioteca Nacional. Nos salões de Obras Raras, Iconografia, Cartografia e outros, os pesquisadores pinçaram o que encontravam de mais precioso no acervo para apresentar suas propostas. Participando pela primeira vez da seleção, a Divisão de Música chegou com os Manuscritos Musicais de Carlos Gomes. E levou a melhor.
“O grupo achou que a BN seria bem representada por essa coleção”, diz Elizete. E assim foi. “O valor desses originais está no fato de serem únicos. Eles só são encontrados aqui”.
O orgulho da servidora é justificado. Guardada com todo o cuidado na sala- cofre – reservada às “preciosidades”, diz ela –, a documentação vem do século XIX. Em páginas amareladas e bem conservadas, estão ali as óperas “Fosca”, de 1872, “Salvator Rosa”, de 1874, “Maria Tudor”, de 1878, e a obra baseada no romance homônimo de José de Alencar, “II Guarany”, de 1871. Foi com elas que o músico rompeu as fronteiras nacionais para ser aclamado no Velho Mundo.
Os calhamaços de notas musicais, divididos em quatro volumes cada um, chegaram à instituição na década de 1980, pelas mãos de Lourenço Luiz Lacombe, então diretor do Museu Imperial de Petrópolis (RJ). Os manuscritos haviam sido doados pela própria filha de Carlos Gomes, Ítala Gomes Vaz de Carvalho. Mas Lacombe sempre achou que a BN daria um acondicionamento mais adequado ao material. Por isso, passou o acervo adiante.
Com a nobre iniciativa, a Dimas, que já tinha um acervo pomposo do artista, virou de vez referência quando o assunto é Carlos Gomes. “Suas obras consideradas mais importantes estão aqui, além de livros, áudios e imagens”, lista Elizete, acrescentando que a qualidade e o volume do acervo só são comparáveis ao do museu que tem o nome do compositor em Campinas, onde nasceu.
A premiação inspira novas ações de preservação e divulgação desse material, que já está microfilmado para consulta local e, em parte, digitalizado, para ser acessado no site da BN (www.bn.br). Como pianista, Elizete sabe bem o valor do acervo, e por isso espera que o material esteja ao alcance não só de músicos. “Queremos estender essa maravilha a outros públicos. Afinal, mesmo quem não toca algum instrumento é tocado pela música”.
Memórias de Carlos Gomes
Bernardo Camara