Memórias de um sobrevivente

Déborah Araujo

  • Sobrevivente do Holocausto, o judeu-polonês Julio Gartner narra sua trajetória pela Europa durante a Segunda Guerra para a jovem brasileira Marina Kagan.Fotos, livros, filmes e outras incontáveis fontes de informação mostram do ponto de vista do observador o que foi um dos maiores e mais terríveis genocídios da humanidade. Mas poucas são as testemunhas oculares e vítimas desse crime que compartilharam suas lembranças com a sociedade. Menos ainda são as que continuam vivas. Ainda assim, há exceções.  É o caso do polonês Julio Gartner, 90 anos, judeu, personagem central do documentário Sobrevivi ao Holocausto, que chega às telas de cinema no dia 21 de agosto. Dirigido pelo escritor e cineasta Marcio Pitliuk, especialista neste tema, o filme se passa em 15 cidades da Polônia, Áustria, Itália, França e Brasil, traçando a vida desse sobrevivente desde sua infância em Cracóvia, na Polônia, até sua chegada ao Brasil, em 1947. “A memória do Julio é muito boa. Ele também estudou depois da Guerra e associou lugares e datas com a história dele”, ressalta o diretor.

    O projeto começou a ser desenvolvido em 2008, quando Pitliuk, então voltado para outro documentário sobre o tema, Marcha da Vida, conheceu Julio Gartner no evento homônimo que levou milhares de pessoas para conhecer campos de concentração na Polônia. O momento foi decisivo para Gartner: “Eu não queria transmitir para os meus filhos o meu passado. Quando eu estive na Marcha da Vida, e passei de novo por aqueles campos de concentração, eu entendi que para esse episódio não mais acontecer, ele precisa ser divulgado”.

    O documentário chama a atenção também para o que aconteceu com muitos sobreviventes no pós-Guerra. Construções – como o Cinecittá, um complexo de teatros e estúdios de cinema na periferia de Roma construído na década de 1930 – foram utilizadas como campos de acolhimento. Lá, Julio Gartner ficou durante 12 dos 18 meses em que permaneceu na Itália se recuperando dos maus-tratos que sofrera, antes de vir para o Brasil. No decorrer da guerra, Gartner ficou preso no Gueto de Cracóvia (poucos dias antes de ser fechado). Após uma fuga, conseguiu se esconder em várias cidades controladas pelos nazistas, até ser preso de novo e enviado para o campo de concentração Plaszow, na Polônia, o mesmo que foi retratado no filme A Lista de Schindler (1993).

    Durante três semanas, Julio conta sua história – com extrema lucidez – para as câmeras e para a brasileira Marina Kagan, produtora de cinema que guia os relatos de Gartner ao longo do filme. Para ela, que faz parte da geração dos netos e bisnetos dos sobreviventes, não se pode deixar a história “morrer” com os poucos que ainda estão vivos. “A nova geração não se dá conta de como o Holocausto e o antissemitismo ainda estão presentes”.

    Para o professor de História da Universidade Estadual de Campinas, Márcio Seligmann-Silva, são necessários e transformadores os depoimentos de sobreviventes do Holocausto e outros crimes de genocídio, uma vez que “faz parte deste tipo de crime uma política de apagamento das suas marcas. O testemunho significa o triunfo da vida. Daí a ambiguidade desses testemunhos de sobreviventes: eles falam de muita morte, mas também da força da vida. Eles devem ser lidos e vistos, pois transmitem uma mensagem que reforça a luta pelos direitos humanos”. 

    O documentário passa por 15 diferentes cidades da Polônia, Áustria, Itália e França, além de campos de concentração.