O dinamarquês Peter Lund (1801-1880) descobriu na região de Lagoa Santa, em Minas Gerais, vestígios de presença humana de mais de 10 mil anos. Quase dois séculos depois dos achados do pai da arqueologia brasileira, novas descobertas são feitas em terras mineiras. Desta vez, a área escavada fica mais a oeste, a quase 200 quilômetros de Belo Horizonte. Cerâmicas, adornos e pontas de flechas de até 11 mil anos compõem o acervo do recém-criado Museu Arqueológico do Carste do Alto São Francisco (MAC), na cidade de Pains, centro-oeste do estado.
A região do Carste do Alto São Francisco é formada por oito municípios e tem cerca de 230 sítios arqueológicos. A grande formação calcária do local, chamada carste, ajudou a conservar quase intactas as peças deixadas ali por povos antigos. De acordo com Gilmar Henriques, idealizador e diretor do MAC, os objetos encontrados ao longo de mais de 10 anos de pesquisa estavam em cavernas, em abrigos formados por rochedos e até mesmo a céu aberto.
Entre as 200 peças do museu está um vaso de 40 centímetros de diâmetro, em forma de cálice. “Devia ser uma oferenda, porque foi encontrado junto a um grande sepultamento. Ainda não fizemos a datação, mas acredito que tenha de 500 a dois mil anos”, afirma o diretor do MAC. Há também uma série de adornos feitos em osso. Entre eles, colares com pingentes de conchas coletadas nos rios da região, onde antigamente havia mariscos. Uma coleção de 70 pontas de flechas com idades de oito a 11 mil anos completa o acervo.
O material encontrado pertencia a dois povos. O mais antigo deles era formado por caçadores-coletores. Eles viveram entre oito e 11 mil anos atrás e foram descobertos pela equipe de Henriques. Já os habitantes mais recentes eram ceramistas e viveram de 400 a dois mil anos atrás. “Acreditamos que os ceramistas falavam uma língua do tronco Macro-Jê. Há cerâmicas similares no leste de Minas Gerais, onde estão os índios krénak e macaxalís, que falam línguas pertencentes ao tronco”, diz o coordenador do MAC.
A origem dos povos de língua Macro-Jê ainda é hipotética. Segundo Henriques, há arqueólogos que não acreditam na associação baseada no estilo das cerâmicas. Apesar de a polêmica quanto ao tronco linguístico não diminuir o valor das descobertas, não é todo mundo que se preocupa com o patrimônio arqueológico local. “Encontramos uma caverna completamente destruída pela mineração clandestina. Poderia ter peças lá, já que quase todas as cavernas foram ocupadas por esses povos”, lamenta Henriques. A equipe do museu tem muito trabalho pela frente. Além de mostrar a importância dos achados para a população, ainda falta registrar cerca de 30 sítios no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O MAC fica na Rodovia MG-439, nº. 1.000 – Pains (saída para Formiga).
Visitações de quarta a domingo, das 14h às 18h.
Mineiros pré-históricos
Cristina Romanelli