Em visita ao Brasil, o antropólogo francês Paul de Monville decide fazer com que uma escrava copule com um orangotango. Dezesseis anos depois, ele se muda para a Europa com o fruto da experiência, o híbrido Djalioh. O resultado é desastroso. Djalioh estupra e mata a esposa de Monville, mata também o filho do casal e se suicida. Para fechar a sequência de eventos bizarros, Monville empalha o menino e o exibe como curiosidade zoológica. Este é um resumo do pouco conhecido “Quidquid Volueris – estudos psicológicos", conto do francês Gustave Flaubert (1821-1880). A história chegou este ano à telona com “Djalioh”, dirigido por Ricardo Miranda. O filme esteve em cartaz este ano no Festival Internacional de Cinema de Itu, mas deve reaparecer em outros festivais em 2012.
“Exibimos ‘Djalioh’ na Bahia, e um cineasta francês, que é também professor de literatura, veio dizer que nunca tinha ouvido falar no conto. É pouco conhecido. Eu li pela primeira vez na década de 1970 e fiquei impressionado. Nos anos 1980, escrevi um primeiro roteiro, mas só no ano passado retomei a ideia”, conta Ricardo Miranda, que começou a carreira cinematográfica como montador do filme “Amor, carnaval e sonhos” (1972), de Paulo Cézar Saraceni.
“Quidquid Volueris” foi escrito em 1837, quando Flaubert tinha apenas 16 anos. No entanto, só foi publicado depois da morte do autor, famoso pelo livro Madame Bovary (1856). “Impressionou-me o fato de a maioria dos críticos ter uma visão evolucionista da obra de Flaubert, como se ele tivesse ‘amadurecido’ até a perfeição estilística. Ao ler o conto, percebi que o futuro Flaubert já estava todo nele, e que considerá-lo apenas como uma preparação não era justo”, afirma Leyla Perrone-Moisés, crítica literária e autora do estudo “A educação escritural ou O outro Flaubert”, em Flores da escrivaninha (Companhia das Letras, 1990).
Os macacos já eram personagens literários desde o século XVIII, em As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, mas esta não foi necessariamente a inspiração do jovem Flaubert. “O pai médico e a infância passada no interior de um hospital fizeram com que ele se interessasse pela fisiologia e pelas experiências científicas. Mas não se pode determinar ao certo o que o inspirou. Pode ter sido a visão de grandes símios expostos em circos na Europa ou o vitral medieval de uma igreja de Rouen, em que aparecem um demônio simiesco e uma mulher. De qualquer forma, a tensão entre os instintos ‘baixos’ e os sentimentos ‘sublimes’ é típica do Romantismo, e as vivências de um adolescente o predispunham para essa temática”, explica Leyla.
“Djalioh” preserva o texto de Flaubert, palavra por palavra. O cruzamento homem-animal e os momentos mais violentos, no entanto, aparecem de forma metafórica. “Não procuramos realismo. A proposta é contar a história exatamente como foi escrita, mas trabalhando sobre a narrativa”, explica o diretor.
Muito além de Madame Bovary
Cristina Romanelli