Mulheres em cena

Alice Melo

  • “Todo escritor escreve sobre si mesmo”, diz a jornalista Ana Arruda Callado ao explicar o porquê de escrever biografias sobre mulheres brasileiras que fizeram história. Hoje, já são seis obras; no futuro, quem sabe? A escritora escolhe sempre “mulheres comuns, que contribuíram para a arte e batalharam” e, ao se debruçar sobre elas, busca lançar um olhar feminino para a História do Brasil e até redescobri-la. Ano que vem, algumas de suas personagens deixarão as páginas dos livros e ganharão as telas de cinema. Mulheres Benditas está em fase de pré-produção e, com narração da atriz Camila Morgado, vai traçar uma evolução da mulher brasileira na primeira metade do século XX.

    A paulista Maria José Barbosa Lima foi a primeira figura que intrigou a autora e também terá sua vida lembrada na película. Na época em que era esposa do ex-governador de Pernambuco Barbosa Lima Sobrinho (1897-2000), Maria José mostrou a miséria da população às grã-finas do Recife dos anos 1940. “Quando deixou a cidade, havia mais de cem voluntárias trabalhando em suas obras sociais. Ela foi uma mulher que mobilizou outras, despertou a realidade nas socialites que não viam o que estava diante delas”, conta a jornalista.

    Depois de Maria José, Ana Arruda escreveu sobre a jornalista Jenny Pimentel (1906-1984) e a articulista política Adalgisa Nery (1905-1980). Mais recentemente, foi Darcy Vargas (1895-1968), esposa de Getúlio Vargas, quem teve a vida revisitada. A produtora e diretora de Mulheres Benditas, Jô Ramos, comenta que o que mais lhe chamou a atenção foi o fato de essas mulheres “não serem muito lembradas pela História”, e complementa que o filme “vai contar um pouco da vida delas, mas, principalmente, traçar um paralelo político com a realidade brasileira da época”. Embora o média-metragem ainda esteja em fase de captação de recursos no Ministério da Cultura, alguns depoimentos já foram gravados, como o da ex-udenista Lygia Lessa Bastos.

    Capa da biografia sobre Darcy VargasPoucos sabem, mas Lygia foi a mulher que ficou por mais tempo no poder no Brasil: foram trinta e cinco anos de mandato, de vereadora a deputada federal. “Eu não gostava dela no início, para mim não era uma mulher ousada”, revela a escritora, e continua: “Mas, ao entrevistá-la, fiquei encantada. Ela foi um fenômeno eleitoral, candidata 10 vezes seguidas. Deixou a política por crer que o parlamento estava desmoralizado, parou de se candidatar e agora leva uma vida humilde”.

    A historiadora Rachel Soihet, da Universidade Federal Fluminense, lembra que essas personagens não participaram diretamente do movimento feminista, mas acredita que “tiveram enorme importância pelas atividades que desenvolveram para que a sociedade brasileira se certificasse do valor das mulheres”. Ela ainda considera importante o debate sobre o assunto tanto pela imprensa como pela literatura e pelo cinema, porque isso mostra que “as conquistas femininas são resultado de lutas ao longo do tempo” e que enfrentam obstáculos até hoje.