Mulheres em conflito

Rodrigo Elias

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    Sobre um cavalo, um homem empunha uma espada. Em um campo de batalha, um general observa seus comandados. Contra invencíveis forças do Estado, um guerrilheiro se lança em missão suicida. As narrativas sobre os mais graves momentos da história estão repletas de protagonistas masculinos, supostamente os únicos dignos de figurar nos lugares mais visíveis da vida pública.

    Esta memória, evidentemente, é incompleta. Se a documentação que versa sobre os eventos mais agudos da história nacional destaca o papel dos homens, os silêncios e as lacunas sobre as diversas formas de participação feminina são um forte indício de que a realidade que ocorre fora das páginas registradas (em geral, por homens) é, no mínimo, 50% mais complexa. Trata-se de uma realidade tão pungente que, apesar da tentativa de controle do patriarcado, escapa para dentro da documentação – como comprovam as trajetórias de Maria Quitéria, Maria Felipa, Maria Bonita, Maria José Nahas, algumas das mulheres presentes no dossiê preparado pela historiadora Agnes Alencar.

    Na noite do último 8 de março, Dia Internacional da Mulher, fui surpreendido por um ensurdecedor barulho de panelas sendo batidas na minha vizinhança, em um bairro da zona nobre do Rio de Janeiro. Era a reação a um pronunciamento televisivo da presidente da República. O protesto, legítimo como qualquer protesto deve ser, vinha acompanhado de gritos, majoritariamente masculinos, de “vaca” e “piranha”. Quase duzentos anos depois de Joana Angélica ter sido massacrada na Bahia por se interpor em um conflito político “de homens”, a sociedade brasileira ainda admite, inclusive dentro do Parlamento, que mulheres em função pública sejam estigmatizadas pelo fato de serem mulheres.

    O aprendizado político, enquanto aprendizado para a vida, requer a percepção de que a participação no espaço público é um direito das mulheres. Tanto em tempos de guerra quanto em tempos de paz.

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