Primeiro, foram duas velhas âncoras. Depois vieram pedras de lastro, cascos de cerâmica e um pequeno canhão. Entre um mergulho e outro, os pesquisadores do Projeto Resgate Barra Sul foram juntando as peças de um galeão do século XVI naufragado nas águas da baía de Florianópolis. E agora, neste mês de junho, prometem apresentar os primeiros desenhos da embarcação, em suas reais dimensões.
As pesquisas no fundo do mar começaram meio por acaso. Em 2005, Gabriel Corrêa mergulhava próximo à praia de Naufragados quando, acidentalmente, encontrou uma âncora de quatro metros bem diferente daquelas que costumava ver ali. Intrigado, comentou o achado com o amigo Nei Mund Filho, que desde 1986 buscava informações sobre naufrágios na região. Com uma turma de mergulhadores, os dois prosseguiram com as investigações e criaram a ONG Projeto Barra Sul. “Em julho de 2007, recebemos da Marinha a licença para explorar e remover as peças de valor artístico e histórico em uma área de 400 quilômetros quadrados, localizada entre as praias do Sonho, Naufragados, Pântano do Sul e Ponta do Papagaio”, conta Gabriel Corrêa, que é diretor executivo da ONG.
Não foi à toa que escolheram essa região. Reconhecido como o maior “cemitério de navios” do país, o litoral sul de Florianópolis era ponto estratégico para embarcações que margeavam a costa brasileira durante os séculos XVI e XVII. Depois de cruzarem o Atlântico, os navios costumavam fazer sua primeira parada no Nordeste e depois só atracavam novamente no Sul. Na Ilha de Santa Catarina, abasteciam-se de água, madeira e uns poucos gêneros, antes de seguirem para o Rio da Prata ou o Oceano Pacífico. Mas quase sempre eram surpreendidos por bancos de areia, rochedos submersos, fortes ventos e correntezas. Muitos iam a pique.
Entre os navios europeus que se perderam ali estão a galeota de Juan Dias Solis (1516), a nau Santa Maria de La Concepción, do navegador Sebastian Cabotto (1526), e a nau Santa Marta (1582). “O fluxo na região ficava em torno de 100 embarcações por ano, e 20% desse total pode-se considerar naufragado”, calcula Nei Mund Filho. A equipe já localizou pelo menos três desses sítios submersos, onde há pedaços de louça, cerâmicas, destroços de naus, sinos, âncoras e outros artefatos. Ainda este ano, os materiais devem ser enviados aos Estados Unidos para que seja feito o teste de Carbono 14, que dará a idade exata do afundamento das embarcações.
O passo seguinte pode ser a retirada das peças do fundo do mar, sua dessalinização e restauração. Depois disso, elas ficariam sob guarda da Marinha e do Iphan. Ou então seriam conservadas numa espécie de museu arqueológico subaquático, “aberto” a turistas-mergulhadores. “Talvez essa seja a melhor alternativa, uma vez que os destroços já formaram um ecossistema ao seu redor, inclusive com a presença de grandes badejos e garoupas. As pessoas interessadas poderiam mergulhar e visitar o galeão dentro desse habitat que se formou ao longo de quase 500 anos”, conclui Corrêa.
Museu submerso
Juliana Barreto Farias