Música ao vento

Bernardo Camara

  • Já faz seis anos que o alagoano Hermeto Pascoal trocou a quentura do Rio de Janeiro pelo clima ameno de Curitiba. De pele albina, o verão para ele é impiedoso. Mesmo assim, seu retorno à cidade maravilhosa não está longe. Ele voltará assim que o Templo do Som, antigo sonho seu, abrir as portas. Mistura de escola de música e centro cultural, o projeto já tem sinal verde da prefeitura e será erguido junto com a revitalização a Zona Portuária.

    “Estou com 73 anos, e queria ter a felicidade de fazer isso antes de partir. Ainda quero passar muito de mim para as pessoas”, diz o músico, que pretende acompanhar tudo de perto. “A vantagem de ainda estar vivo é participar. Quero dar aulas, formar professores, dar palpite a quem pedir palpite. Minha alegria é essa”.

    A vontade de dividir conhecimentos é marca antiga do alagoano. Recentemente, ele escancarou sua interminável obra para os músicos que quiserem gravá-la. Sem rodeios burocráticos, os interessados entram em seu site [www.hermetopascoal.com.br] e imprimem o licenciamento, escrito de próprio punho num papel cheio de cores.

    O Templo do Som também é idealizado nesses moldes. A ideia é que a música – e as artes em geral – não encontre barreiras e possa “voar por aí, como pétalas ao vento”. “As mais de quatro mil partituras que tenho vão ficar expostas. Vai ter música na parede para quem quiser chegar e tocar ali mesmo. Fora as que eu compuser na hora”, adianta ele, que não para de produzir.

    “Quando começo a escrever, não sossego. É no avião, no hotel, no banheiro, em todo lugar”, diz, empolgado. “Antes, eu não sabia teoria e saía cantando na rua para não esquecer o que eu estava criando. Agora, eu escrevo. Tenho partitura até no papel higiênico”.

    Tudo isso vai estar lá. O músico quer reunir no Templo do Som todo o seu acervo, que, além dos seus mais de 30 discos, inclui os instrumentos que toca. E quando se trata de Hermeto Pascoal, isso não é pouco. Junto com flautas, pandeiros, sanfonas e pianos que já passaram por suas mãos, o multi-instrumentista vai carregar para o local chaleiras, pratos, talheres, baldes, copos de plástico e tudo o mais de onde se possa tirar som.

    E ai de quem deixar o acervo inutilizado. “Se o cara quiser tocar, ele vai poder pegar emprestado. Depois que eu morrer, não quero meus instrumentos parados. Eu volto em alma, quebro o vidro e tiro tudo de lá”, brinca, com seu permanente bom humor.

    “Hermeto divide tudo que é dele. E acha que chegou a hora de passar para frente tudo o que ele construiu”, diz o baixista Itiberê Zwarg, que toca com o mestre há mais de 30 anos. Resolvendo as burocracias do projeto, Zwarg adianta que o Templo do Som pode sair dentro de dois anos. Para a alegria dos apreciadores de boa música e para a felicidade do próprio Hermeto: “Vai ser um céu”, ele suspira.