“No dia 3 de outubro rebentou a revolução/ Foi uma coisa bem feita, uma bonita combinação/ Em Minas e no Rio Grande e em outros pontos da Nação/ O exército se alevantou com as suas armas na mão/ Contra o Washington Luiz, brasileiro mais turrão.” A moda de viola “Rubentô a revolução”, de Mandi e Sorocabinha, foi composta durante a Revolução de 1930. Outras canções surgiram durante a República, para narrar importantes acontecimentos políticos. Depois de longo trabalho de pesquisa, o jornalista e ex-ministro da Comunicação Social Franklin Martins vai lançar pela Nova Fronteira a compilação de boa parte dessas canções em dois livros, acompanhados das gravações. O primeiro volume, com cerca de 500 composições de 1902 a 1964, deve sair em maio. Já o segundo, de 1964 a 2002, ainda não tem data prevista. O projeto, chamado Quemfoiqueinventou oBrasil?, pega o nome emprestado de um verso da marchinha “História do Brasil”, de Lamartine Babo.
“Comecei pelo ano de 1902 porque foi ali que se iniciou a indústria fonográfica. A partir de então, poucos fatos relevantes da nossa história política não aparecem em músicas. Outros países também têm música sobre política, mas em momentos de conflito, como a Guerra Civil Espanhola. Quando o período passa, a produção musical também para. Aqui no Brasil, a produção é constante”, explica Martins.
Segundo o jornalista, a tradição começou ainda no Império, com cançonetas no século XIX, e se consolidou com o teatro de revista. “Vieram a indústria fonográfica, as músicas de crônica, e quando o carnaval se tornou uma festa cantada, por volta de 1920, as marchinhas. Depois, a música caipira contou toda a história da Revolução de 1930, apresentou candidatos, saudou Getulio, e mudou de posição ao longo do tempo. O mesmo aconteceu durante a Segunda Guerra. No início, as músicas saudavam Getulio. Mas a partir de 1944 só se falava em democracia”, conta.
A resistência à ditadura foi um dos momentos em que a produção foi mais forte. “Pra não dizer que não falei de flores”, de Geraldo Vandré, é um bom exemplo. Ficou em segundo lugar no Festival Internacional da Canção de 1968, virou uma espécie de hino, ao incitar o povo à resistência, e foi proibida durante anos. “Apesar de você” (1970), de Chico Buarque, e “O bêbado e o equilibrista” (1979), de João Bosco e Aldir Blanc, também estão na lista.
“Essas músicas permitem entrar num contexto histórico. As pesquisas acadêmicas sobre elas estão crescendo, fora que são um bom material para sala de aula. Com Noel Rosa dá para falar do Estado Novo e da industrialização; com a bossa nova podemos mostrar o governo Juscelino Kubitschek, e por aí vai”, afirma Marieta de Moraes Ferreira, historiadora da UFRJ e pesquisadora da Fundação Getulio Vargas. Hoje, talvez a crítica política não seja tão direta, mas ritmos como funk e rap vêm cumprindo seu papel. “Mesmo quando não falam diretamente de política, citam num sentido mais amplo, com letras sobre pobreza, violência e relação com a polícia”, diz Marieta.
Música engajada
Cristina Romanelli