Na calada da noite

Filipe Monteiro

  • Um sentimento de indignação envolve a capital de Rondônia desde fevereiro. Os moradores de Porto Velho assistiram, perplexos, à destruição dos últimos resquícios do Mercado Público Municipal, uma relíquia dos tempos áureos do ciclo da borracha.

    A construção, iniciada em 1915, só foi concluída 35 anos depois. Era, provavelmente, o primeiro e único prédio construído em estilo art nouveau da cidade e um de seus mais nobres cartões-postais. O belo piso de mosaicos, as paredes revestidas de azulejos e uma fachada em estilo neoclássico refletiam uma época de pujança da Região Amazônica, impulsionada pelas exportações de borracha para a Europa e os Estados Unidos.

    Seus corredores tinham muita história para contar. Lá foram instaladas casas de comércio tradicionais, como o açougue do Bodó, especializado em miúdos de boi, além de barbearias, alfaiatarias e o primeiro frigorífico da região. A localização privilegiada, no centro da cidade, atiçou por anos a cobiça das imobiliárias. Em 1965, um incêndio criminoso, até hoje mal explicado, transformou em cinzas metade do prédio. O que restou foi vendido a preço de banana para um grupo empresarial, que em 1984 tentou pôr tudo abaixo para a construção de um condomínio.

    Na época, um grupo de cidadãos porto-velhenses entrou com uma ação na Justiça para impedir a obra. Depois de longos 14 anos, conseguiu mais: a devolução para o município das duas lojas que restavam de pé. Parecia que a preservação estava enfim garantida. Mas a sanha demolidora tinha sido apenas postergada. Sem aviso prévio, a prefeitura derrubou, em fevereiro deste ano, as últimas partes do Mercado, numa “ação covarde e desmiolada”, segundo a Associação Cultural Rio Madeira.

    O advogado Ernande Segismundo, que liderou a campanha pela restauração do Mercado, não entende como o prefeito Roberto Sobrinho emudeceu “diante de tão clamorosa e retumbante indignação civil”. A justificativa oficial vem do secretário de Desenvolvimento Socioeconômico de Porto Velho, José Gadelha. Ele diz que as críticas partem de quem não conhece o projeto elaborado para o lugar. Afirma que estudos técnicos revelaram não ser possível restaurar as partes que sobraram, pois suas estruturas estavam comprometidas. E promete uma réplica novinha em folha. “A partir de fotos antigas, nós vamos reconstruir o prédio exatamente como era em sua forma original. Será um novo centro cultural, com sorveteria, livraria, bares e restaurantes”, diz. Decisão que não agrada ao Iphan. “De que adianta construir um prédio igual ao anterior? Todo o valor histórico se perdeu”, alega Alberto Bertagna, superintendente do instituto em Rondônia.

    Perdido o Mercado Municipal, restam a Porto Velho poucos bens históricos preservados, como o parque da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e o Casarão de Santo Antônio, antiga sede da administração da ferrovia. Aos responsáveis, vale o conselho: mantenham os olhos bem abertos.