Nacionalismo literário

Leandro Pereira Gonçalves

  • Último sobrevivente do planeta Terra, um mineiro faz uma longa viagem pelo mundo em busca de uma explicação para a morte dos outros seres humanos. No Brasil, um imigrante russo enriquece enquanto uma família local fica pobre. Um menino sonha durante sete noites e aprende os princípios cristãos. As histórias resumem três enredos da variada produção literária de Plínio Salgado (1895-1975), mais conhecido como fundador da Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento nacionalista autoritário.   

    Sua estreia na literatura ocorreu com O estrangeiro, publicado em 1926, edição que acabou em 20 dias e teve direito a crítica favorável do consagrado escritor Monteiro Lobato (1882-1948). Na narrativa, o russo Ivã chega ao país com dificuldades financeiras e consegue acumular uma pequena fortuna com trabalho árduo. Mas a influência estrangeira logo se mostrou nociva à nação. Um dos personagens principais, Juvêncio, um professor nacionalista, percebe que a dominação dos imigrantes faz mal aos brasileiros e acaba fugindo para o sertão, onde acredita estar um Brasil autêntico.

    A exaltação dos valores nacionais faz de O estrangeiro uma de suas obras modernistas. Salgado fazia parte de uma das muitas vertentes do movimento, expressa no Manifesto do Verde-amarelismo – divulgado em 1929 por ele e outros intelectuais da Semana de 1922.  O documento traz um discurso baseado no nacionalismo cultural e político, inspirado nos regimes totalitários europeus. Acreditavam que a estrutura republicana era incompatível com o ideário nacionalista.

    Depois da publicação de O estrangeiro, Salgado lançou O esperado (1931) e O cavaleiro de Itararé (1933), formando a trilogia “Crônicas da Vida Brasileira”, que pretendia estimular uma consciência nacional baseada no integralismo.

    A influência do modernismo também está nas páginas do romance histórico A voz do Oeste (1934). Nele, bandeirantes são retratados como a raiz do nacionalismo brasileiro e como responsáveis pelo crescimento do país.

    Os poemas, parte do início de sua trajetória literária, já refletiam sua visão ufanista: “Brasil! Ó minha pátria idolatrada!/ Vede: – que grande e triunfal nação!/ Em cada bosque um paraíso! Em cada/ folha da história, uma cintilação!”, dizem os versos de “Brasil”, publicado em 1919.  

    Nascido em São Bento do Sapucaí, no interior de São Paulo, Plínio era descendente de uma família católica tradicional e de grande prestígio político. A mãe, Ana Francisca Rennó Cortez, era professora e grande responsável pela educação do filho. O pai, Francisco das Chagas Esteves Salgado, era um coronel ligado ao Partido Republicano Paulista (PRP). O garoto Plínio cresceu num cenário em que predominava a influência política do pai – um admirador do nacionalismo autoritário do presidente, marechal Floriano Peixoto (1891-1894). A morte do patriarca, em 1911, obrigou o jovem a abandonar os estudos e se sustentar.

    A carreira jornalística começou em 1916, quando foi contratado como redator do Correio de São Bento. Aos 23 anos, casou-se com Maria Amélia Pereira. Em menos de um ano, com a morte prematura da mulher, viu-se diante da responsabilidade de cuidar da única filha, de 14 dias. Mas a vida particular não interrompeu o ideal político. Em 1918, participou da organização do Partido Municipalista, formado por líderes do Vale do Paraíba. O objetivo da agremiação era combater o governo estadual, por ser contra o desequilíbrio político entre o poder central, os estados e os municípios. Salgado acabou tendo que deixar a cidade por motivos políticos e resolveu tentar a sorte na capital do estado. A mudança para São Paulo contribuiu para o surgimento de um novo Plínio Salgado.

    No Correio Paulistano, órgão do Partido Republicano Paulista, encontrou o ambiente político e intelectual de que necessitava. Ali conheceu um dos principais expoentes do modernismo, o poeta Menotti Del Picchia (1892-1988), que o convenceu a abandonar a poesia para se dedicar à prosa.

    Uma viagem à Europa, em 1930, também foi fundamental na definição de seus rumos. Lá, teve um contato direto com o fascismo italiano e conheceu pessoalmente Benito Mussolini (1883-1945). Ficou convencido de que a melhor saída para o país era adotar o nacionalismo agressivo impondo a hegemonia do Brasil na América do Sul. Entre os pontos em comum com Mussolini, que enviava constantemente auxílios financeiros para a AIB, estava o anticomunismo.

    Influenciado pelo fascismo europeu, o integralismo atacava o liberalismo, os partidos políticos e o Parlamento, considerando a democracia liberal como destruidora da alma nacional. A criação da AIB institucionalizou o movimento. A arregimentação de militantes e seu enquadramento em uma estrutura hierárquica passaram a ser prioridade. Plínio Salgado colocava-se como chefe nacional, e todos os demais membros tinham que jurar obediência às suas ordens.

    A AIB mantinha uma organização paramilitar, formada por membros armados que usavam diversos elementos identificadores, como o uniforme (camisa-verde), a adoção da letra grega sigma () como símbolo e a saudação indígena anauê, (“você é meu irmão”). O movimento teve rápido crescimento, chegando a reunir um milhão de pessoas em todo país.

    Naquele momento, a produção literária de Plínio Salgado se voltou exclusivamente para o movimento integralista, focalizando a catequização de novos integrantes com o lançamento de livros como O que é o integralismo (1933), A doutrina do Sigma (1935) e Despertemos a Nação (1935).

    Com o golpe do Estado Novo, em 1937, a AIB entrou para a ilegalidade e Salgado ficou exilado de 1938 a 1946 em Portugal, quando voltou a se dedicar à ficção Em Trepandé, elaborado entre 1938 e 1939, a riqueza da terra e o valor nacional foram expressos de forma eloquente. No enredo, uma cidade que busca o desenvolvimento acaba “invadida” pelo capital estrangeiro. Mas, no fim do livro, os personagens Fulgêncio e Zélia descobrem que não querem sair de sua terra. “Conversando à beira do mar, chegaram à conclusão de que talvez, e apesar de tudo, a felicidade estivesse mesmo ali, em Trepandé”.

    Após o exílio, lançou o Poema da fortaleza de Santa Cruz (1948), em que comenta, de forma emocionada, os momentos na prisão, sempre ressaltando o amor pelo Brasil. Três anos depois, Plínio Salgado resolveu inovar: editou sua primeira e única obra para crianças, intitulada Sete noites de Joãozinho (1951). No livro, o personagem-título sonha durante sete noites, período em que viaja conhecendo o Brasil dentro de uma visão cristã, uma característica central da formação do autor. “Os bandeirantes vieram buscar ouro e pedras preciosas, mas deixaram aqui a semente do cristianismo, que hoje floresce na alma do bom povo mineiro. Joãozinho manifestou o desejo de conhecer todos os estados do Brasil,” escreveu Plínio.

    Usando o pseudônimo Ezequiel, publicou, em 1961, Poemas do século tenebroso. A escolha do codinome demonstra seu teor religioso e messiânico. O autor se inspirou no profeta Ezequiel, do Antigo Testamento, o mesmo que teria recebido um chamado divino para fundar uma escola de profetas, tendo a perda da esposa também como sinal da ação de Deus. Uma história, não por acaso, semelhante à de Plínio Salgado.

    Meses antes de morrer, começou a escrever o romance O dono do mundo, um texto de ficção científica. O personagem principal, o engenheiro Pedro Adamus, vive na cidade de Ouro Claro, em Minas Gerais, na década de 1970. Ele aproveita um domingo de sol para fazer a manutenção de um dispositivo da mina onde trabalhava. Nesse momento, uma emanação magnética mata toda a humanidade, mas ele escapa porque estava a quilômetros de profundidade do solo. Quando sai, encontra pelas ruas e casas somente roupas e objetos jogados, pois a cidade está completamente deserta.

    Adamus inicia então uma peregrinação pelo Brasil, e depois pelo mundo, em busca de uma explicação para a tragédia. O personagem acaba descobrindo que o desenvolvimento tecnológico e o cosmopolitismo foram os responsáveis por levar o planeta ao apocalipse.

    Plínio Salgado morreu em 1975, em São Paulo, devido a uma parada cardíaca. Suas obras militantes têm recebido muito mais atenção da crítica política. Mas seus livros de ficção – que acabaram ficando esquecidos –, afinal, são referências de um pensamento que foi dominante em um período da História do país.

    Leandro Pereira Gonçalves é professor de história no Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora e autor da dissertação “Literatura e autoritarismo: O pensamento político nos romances de Plínio Salgado”
    (Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, 2006).


    Saiba Mais – Bibliografia

    CHASIN, José. O integralismo de Plínio Salgado: forma de regressividade no capitalismo hiper-tardio. Belo Horizonte: Una, 1999.
    SILVA, Giselda Brito (org.). Estudos do integralismo no Brasil. Recife: Universidade Federal Rural de Pernambuco, 2007.
    TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30. Porto Alegre: Difel/UFRGS, 1979.
    VASCONCELLOS, Gilberto. A ideologia curupira: análise do discurso integralista. São Paulo: Brasiliense, 1979.