De um lado da trincheira, França, Inglaterra e Rússia uniram-se sob a denominação de Tríplice Entente. De outro, os impérios alemão, austro-húngaro e turco-otomano formaram o bloco dos Impérios Centrais. Diante desse duelo de gigantes que conflagrou a Europa e deu início há cem anos à Primeira Guerra Mundial, o governo brasileiro posicionou-se rapidamente: declarou neutralidade. Uma atitude precavida, uma vez que o país possuía importantes transações comerciais – e dívidas – com os dois lados conflitantes.
Mas quem consegue permanecer neutro, em tempos de guerra? Romancistas, poetas, diplomatas e políticos brasileiros não quiseram de forma alguma esconder sua opinião a respeito do conflito. Muito pelo contrário, expuseram-na abertamente nas páginas dos jornais fluminenses. Para uns, a Alemanha estava com a razão; para outros, era a Tríplice Entente que defendia os interesses mais justos. Sem falar naqueles que entravam na briga para condenar os dois lados e defender a posição do governo.
Bastava uma crítica ao desempenho militar britânico ou um elogio às táticas econômicas francesas, e seus autores eram tachados com a alcunha de germanófilo oualiadófilo. O diplomata Oliveira Lima (1867-1928) foi alvo desse ambiente extremado. Seus artigos publicados no jornal O Estado de S. Paulo criticando as atitudes da Grã-Bretanha lhe renderam a fama de partidário da Alemanha, e isto lhe custou caro: além de ser repreendido pelo chanceler brasileiro nas terras da rainha, foi convidado a se retirar de Londres, onde possuía residência fixa.
Os aliadófilos contaram com um importante reduto no Brasil: a Liga Brasileira pelos Aliados. Criada no Rio de Janeiro em 1915 pelo crítico literário José Veríssimo, pelo romancista e diplomata Graça Aranha, pelo escritor Antônio Reis Carvalho e pelo capitão do Exército Eliseu Montarroyos, seu objetivo declarado era arregimentar simpatizantes brasileiros e estrangeiros para a causa da Tríplice Entente, além de prestar-lhe apoio moral e beneficente. Para isso, lançou mão de diversas estratégias.
Os fundadores fizeram valer suas redes de contato. No dia 17 de março de 1915, reuniu-se no Clube de Engenharia, localizado na atual Avenida Rio Branco, a nata da intelectualidade carioca. Nomes como os escritores Coelho Neto e Afrânio Peixoto, os engenheiros Paulo de Frontin e Pedro Betim Paes Leme, os senadores Irineu Machado e Antônio Azeredo assinaram o seu termo de adesão. Coube ao senador Rui Barbosa (1849-1923) a presidência de honra da Liga, e a José Veríssimo a vice-presidência. Graça Aranha tornou-se o seu representante em Paris.
O novo órgão promoveu várias assembleias por mês, nas quais os associados discutiam estratégias para melhor apoiar a campanha aliada. Além de boletins com a ata das reuniões e artigos publicados nos principais jornais da Capital Federal, como o Jornal do Commércio e o Jornal do Brasil, a Liga Brasileira organizou palestras e editou folhetos. Promoveu também festas e concertos de música visando à arrecadação de fundos.
Em 23 de agosto de 1915, a Liga realizou uma grande festividade popular nos jardins da Quinta da Boa Vista. Com o apoio da Prefeitura do Rio de Janeiro e do jornal A Noite, o evento buscava coletar donativos para os órfãos belgas e para as vítimas das enchentes que assolaram o norte do Brasil naquele ano. Comprando o ingresso por mil réis, o público teve acesso à prática de esportes, a sessões cinematográficas, danças, apresentações de diversas bandas de música, além de concorrer a variados prêmios, doados por diversas casas de comércio e figuras da alta roda carioca. A grande festa, que ocorreu durante um domingo inteiro, contou com a presença do prefeito Rivadávia Correia e diplomatas de nacionalidade aliada.
Em seu manifesto de criação, a Liga Brasileira afirma que seus membros estão “convencidos que na guerra atual a verdade, a justiça e a razão estão com as nações que, aliadas, combatem o militarismo e o imperialismo alemães”. Com o prolongamento de uma guerra que, conforme se acreditou, duraria apenas seis meses, percebe-se um endurecimento das posições da associação. Na percepção da Liga, a Entente representava não apenas a verdade, a justiça e a razão, mas também era a defensora da civilização ocidental contra a barbárie alemã. A vitória do imperador Guilherme II significaria escravidão e retrocesso no mundo inteiro. Esse destino sombrio, segundo a Liga, não excluiria os países que se mantivessem neutros no conflito, entre eles, o Brasil.
Apoiar os Aliados tornava-se, então, uma questão de vida ou morte. França, Inglaterra e seus parceiros não pegavam em armas para defesa dos seus interesses políticos e econômicos, mas para a proteção de todo o mundo, tornando-se paladinos da liberdade e da civilização. Nos pronunciamentos da associação, a guerra era pintada com tintas cada vez mais maniqueístas. Quando, em 1917, navios mercantis brasileiros foram afundados por submarinos germânicos, os ânimos elevaram-se ainda mais. Acusaram os alemães de serem “piratas”, “criminosos” e “sem noção de humanidade”.
O governo brasileiro também não foi poupado. A Liga exigiu a suspensão do estado de neutralidade e o rompimento das relações diplomáticas com a Alemanha. Por ocasião do afundamento do navio mercante Paraná, em abril de 1917, a instituição chegou a enviar uma moção ao presidente da República, Wenceslau Brás (1868-1966), exigindo a imediata declaração de guerra aos Impérios Centrais.
Seus apelos seriam atendidos alguns meses depois. Em 18 de outubro, o navio mercante Macau foi posto a pique por um submarino alemão. Foi a gota d’água: no dia 25 do mesmo mês, o Brasil declarou guerra à Alemanha. A Liga pelos Aliados imediatamente manifestou o seu apoio à condição de beligerância, hasteando em sua sede a bandeira nacional ladeada pelos pavilhões de nações aliadas. No entanto, quando a participação militar tornou-se uma realidade concreta, a agremiação adotou uma postura curiosa: desaprovou a decisão do governo de enviar tropas ao teatro da guerra. Mais valiosa à causa da Entente, segundo eles, seria a permanência dos soldados em solo pátrio, para prevenir uma insurreição de colonos alemães no sul do país.
As manifestações da Liga não passaram despercebidas às legações aliadas no Brasil. A troca de correspondência era intensa, com congratulações por vitórias militares e agradecimentos pelo apoio prestado à causa dos países da Entente. Houve também pedidos especiais, como o do representante da Coroa britânica, Arthur Peel. Sob as ordens do ministro inglês das Relações Exteriores, Peel encomendou à Liga 500 exemplares da conferência A América em face da conflagração europeia – pronunciada pelo secretário da associação, o professor de Direito Internacional Manoel Álvaro de Souza Sá Vianna – para divulgá-la em outros países.
Se foi conveniente para os interesses aliados, no Brasil a Liga estava longe de ser uma unanimidade. Enquanto o país manteve o estado de neutralidade, foram muitas as acusações de que a associação estaria contrariando as disposições do governo federal e indispondo a nação perante a comunidade internacional. Alguns acreditavam que a agremiação era apenas um grupo de autopromoção. Um deles foi Lima Barreto. O escritor, que havia integrado o quadro de sócios da Liga, escreveria mais tarde, em seu livro Bagatelas, de 1923:“No começo da contenda europeia, dei a minha adesão à Liga pelos Aliados; mas, desde que ela desandou, aproveitando-se da simplicidade de muitos e da cumplicidade de alguns, em escritório de anúncios de carnes frigorificadas, e outros gêneros de primeira necessidade, julguei do meu dever não dar mais nenhuma palavra de apoio a semelhante instituição que, quando não era quarta página de jornal, se transformava em sociedade musical e dançante ou em clube dramático, recreativo ou literário”.
A Liga Brasileira pelos Aliados se desfez em 1919, não sem antes receber diversas homenagens por sua atuação nos anos de conflito. Afinal, a história comprovou que eles defenderam o lado certo. O lado dos vencedores.
Livia Claro Piresé autora da dissertação “Intelectuais nas trincheiras: a Liga Brasileira pelos Aliados e o debate sobre a Primeira Guerra Mundial (1914-1918)”, (Uerj, 2013).
Saiba Mais - Bibliografia
GARAMBONE, Sidney. A Primeira Guerra Mundial e a imprensa brasileira. Rio de Janeiro: Mauad, 2007.
VINHOSA, Francisco Luiz Teixeira. O Brasil e a Primeira Guerra Mundial: a diplomacia brasileira e as grandes potências. Rio de Janeiro: IHGB, 1990.
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Livia Claro Pires