Durante a ditadura civil-militar, milhares de trabalhadores foram monitorados e demitidos por companhias privadas sob suspeita de envolvimento com o comunismo. Empresários chegaram a entregar “listas-negras” com nomes de sindicalistas e outros opositores aos aparelhos de repressão do governo. Hoje, mais de 70 mil processos de ex-funcionários afetados ou de suas famílias em busca de justiça estão em tramitação na Comissão Nacional da Anistia – uma vez que não estão amparados pela Lei da Anistia, que perdoou aqueles que cometeram crimes “políticos” no período de 1964 a 1985. A esperança é a inversão desse cenário com a publicação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), no próximo dia 10 de dezembro.
Dois dos capítulos tratarão dos temas “empresas que apoiaram o golpe e a repressão” e “a repressão aos sindicatos e aos trabalhadores”. A pesquisa do grupo de trabalho “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical” (GT-13), da CNV, intensificou-se no último semestre com a abertura de documentos do Arquivo Nacional, do Arquivo Público de São Paulo e outros órgãos. O material inclui filmes de propaganda para convencer o financiamento da ditadura e fichas com informações pessoais de funcionários, repassadas ao DOI-CODI paulista. “Encontramos documentos da Companhia Siderúrgica Paulista informando que determinado funcionário que era infiltrado pelo governo não podia ser demitido, e uma lista de mais de 600 funcionários demitidos pela Ultragás na década de 1970”, explica a advogada Ana Lúcia Marchiori, colaboradora do GT-13.
Entre os sindicalistas vigiados estão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, espionado pela Volkswagen, o presidente do Conselho Nacional do Sesi, Jair Meneguelli, que trabalhava na Ford, e Américo Astuto Rocha Gomes, ex-funcionário da Monark que atualmente coordena a pesquisa sobre a Petrobras para a CNV.
A ideia do GT é de que as mais de 80 empresas mencionadas respondam por seus atos no âmbito judicial. “Se olharmos para o exemplo argentino, veremos que empresas estão sendo processadas criminalmente. No Brasil, esse é um cenário menos provável, uma vez que o Judiciário vem obstaculizando qualquer forma de responsabilização”, observa o advogado Marcelo Torelly, especialista em Direitos Humanos e Processos de Democratização. Para ele, as alternativas incluiriam pedidos públicos de desculpas pelas empresas, apoio a projetos de memória e estabelecimento de programas de reparação às vítimas da ditadura. “O importante é ter claro que a responsabilização não se encerra no âmbito penal. As empresas podem responder de diferentes maneiras por sua conduta passada”, comenta.
A exposição pública das empresas também pode levar à abertura de seus arquivos, como aponta Pedro Henrique Pedreira Campos, professor de História da UFF. “As pesquisas ainda são muito embrionárias. No meu trabalho sobre empreiteiras, tive dificuldade de acesso aos documentos dos empresários”, declara.
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade já estará disponível para consulta pública no dia 10 de dezembro, no site: http://www.cnv.gov.br/
Nome aos patrões
Déborah Araujo