Nova cidade antiga

Bernardo Camara

  • Encravada na região do Vale do Paraíba, no estado do Rio de Janeiro, São João Marcos já viveu seus dias de glória. Na rota da estrada real, protagonizou o ciclo do café e chegou ao século XX como a primeira cidade brasileira a ser tombada, em 1939. Mas um ano depois perdeu o título de patrimônio, foi evacuada e suas edificações, implodidas: ela seria inundada pelo represamento do Ribeirão das Lajes. 

    Quase sete décadas se passaram, e nem sinal da água. Contrariando as previsões, a barragem no rio não alagou São João Marcos. Mas o mal já estava feito. A cidade sumiu do mapa e permaneceu abandonada por todo esse tempo. Hoje, no lugar dos palacetes, teatros e igrejas que compunham a paisagem, só se vê mato. Mas uma equipe de pesquisadores já começou a capinar a área e vai transformá-la num parque arqueológico.

    “São João Marcos já foi muito próspera, era moderna para sua época. Se tivesse sido preservada, seria como uma pequena Paraty”, diz Ondemar Dias, presidente do Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB), que trabalha no projeto. “Estamos limpando as ruínas, mas já dá para dizer que é um sítio arqueológico fantástico”.

    Não é para menos. Abrigando alguns dos maiores produtores do período do café, a cidade se desenvolveu num salto. Contava com hospital, cadeia, clubes, e uma vida cultural agitada. Morador dos arredores, Sebastião do Vale, de 90 anos, recorda-se dessa época. “Era uma cidade muito bonita, viva. Vi quando ela estava de pé e depois vi as ruínas”, lamenta ele, que costumava ir aos clubes para dançar: “Tinha bastante festa”.

    Nos trabalhos de arqueologia, a história de São João Marcos começa a ser reconstruída aos poucos. A criação do parque é justamente para contá-la. “Já temos uma ideia do sistema viário, do calçamento e onde ficavam o teatro e a igreja”, conta o diretor do Instituto Light e idealizador do projeto, Mozart Vitor Serra. “Até março do ano que vem, já vamos ter uma boa noção do que era a cidade”.

    O parque terá centro de visitantes, local para exposições e um anfiteatro. Nos morros que circundam a região, algumas atividades agropastoris serão resgatadas para remeter à época. E o pouco que sobrou daquele tempo, como as ruas de pé de moleque, continuarão ali. “Haverá um circuito pelas áreas mais chamativas, para que as pessoas possam circular”, adianta o arqueólogo.

    Ainda não se sabe a data certa em que será possível transitar pelo local. Mas para uma cidade que teve sua história interrompida por mais de meio século, as iniciativas são um consolo. E o possível prenúncio de um novo tempo. “São João Marcos começa a reviver agora, com outra importância”, acredita Serra.