Ele tem olhos compridos e cabeça longa. Não mede mais do que cinco centímetros e só se alimenta de sangue. De dia, prefere se esconder em ninhos de gambás, buracos nas paredes, madeiras queimadas ou debaixo dos colchões. À noite, sai da toca para atacar suas presas. Até abril de 1909, ninguém imaginava do que esse bichinho era capaz. Foi graças a um brasileiro, o cientista Carlos Chagas (1878-1934), que o mundo ficou sabendo como esse pequeno percevejo, mais conhecido como barbeiro, transmitia uma séria infecção parasitária. Hoje, quando a descoberta completa cem anos, o inseto já não ataca mais tanta gente, mas a doença de Chagas continua rendendo muito debate.
O primeiro contato do pesquisador com um barbeiro ocorreu ainda em 1908, no povoado de São Gonçalo das Tabocas, em Minas Gerais. Enquanto combatia a epidemia de malária que atacava os trabalhadores de uma ferrovia, Chagas aproveitava para coletar insetos e fazer novas pesquisas no laboratório improvisado num vagão de trem. Certo dia, o chefe da comissão de engenheiros lhe mostrou um percevejo muito comum na área, que costumava se embrenhar nas choupanas de pau-a-pique e picar as pessoas no rosto durante a noite. Ele decidiu então examinar alguns e encontrou protozoários em seu intestino.
De volta ao Rio de Janeiro, Carlos Chagas confirmou que se tratava de uma nova forma de tripanossoma, batizada de Trypanosoma cruzi, em homenagem ao mestre Oswaldo Cruz. Como suspeitava que o homem fosse um de seus hospedeiros, retornou a Minas para examinar o sangue dos moradores. Em 14 de abril de 1909 veio finalmente a confirmação: o parasito fora encontrado no sangue de uma criança febril. A menina Berenice, de apenas 2 anos, era o primeiro caso identificado de uma nova enfermidade, logo chamada de doença de Chagas.
“Mas desde o início ele percebeu que não era só mais uma doença, e sim um problema de saúde pública do Brasil. Importante tanto do ponto de vista social como da produtividade e da vitalidade da população do interior do país”, afirma Simone Petraglia Kropf, pesquisadora da Fiocruz e autora da tese “Doença de Chagas, doença do Brasil”. Por isso, para acabar com esse mal que podia provocar febres contínuas, aumento do baço e do fígado e distúrbios cardíacos, só mesmo investindo em campanhas educativas e sanitárias. “Chagas já dizia que um dos principais caminhos da profilaxia seria a melhoria das condições de habitação”, completa a pesquisadora.
Até agora, o combate à doença tem sido feito principalmente com a aplicação de inseticidas que eliminam os barbeiros. Mas só isso não é suficiente, já que os bichinhos são resistentes e se adaptam facilmente a novas moradas. Para se ter uma idéia, em toda a América Latina são 13 milhões de pessoas infectadas, das quais cerca de 10% não têm qualquer sintoma. Não é à toa que, cem anos após a descoberta de Chagas, a doença ainda continue provocando tanta discussão. Só este ano, dentro da programação do centenário, estão previstos um simpósio internacional, lançamentos de livros, fotografias e até mesmo a encenação de uma ópera.
O cientista e o barbeiro
Juliana Barreto Farias