“Bom tempo. Devido ao calor abrasador, as hostilidades estiveram frias e não houve caçada de gente. À tarde na forma de costume as fortalezas legais deram alguns tiros. O movimento de lanchas entre os revoltosos foi grande.” Assim, quase blasé, o almirante Eduardo Wandenkolk (1839-1902) narrou em seu diário o confronto que ocorreu na Baía de Guanabara entre as forças do marechal Floriano Peixoto e combatentes da Revolta da Armada.
Da Fortaleza da Conceição, onde estava preso, o almirante Wandenkolk, adversário político do marechal Floriano Peixoto, tinha uma visão privilegiada do conflito. Seu cárcere ficava no alto do Morro da Conceição, no Centro do Rio de Janeiro, com vista panorâmica para a baía. Ali o almirante tornou o ócio produtivo, escrevendo o quarto volume de seu diário, guardado na Divisão de Manuscritos da Biblioteca Nacional.
Wandenkolk foi preso junto com o capitão Huet Bacelar Pinto Guedes e o tenente Antão Correia da Silva, por terem utilizado o navio mercante Júpiter como embarcação de guerra e terem ido até Santa Catarina ajudar na Revolução Federalista. O habeas corpus, impetrado por Rui Barbosa (1849-1923), foi negado pela Justiça. Levado inicialmente para a prisão na Fortaleza de Santa Cruz, em Niterói, supõe-se que foi lá que escreveu os três primeiros volumes. O quarto começa em 30 de janeiro de 1894, e, de acordo com as contas do autor, “já são 195 dias de cárcere”.
O almirante dá a entender que não estava totalmente enclausurado em seu posto avançado de observação. Ao contrário, circulava livremente pela fortaleza e chegava a dividir a mesa de jantar com oficiais da Guarda.
Crítica à fortaleza
Suas anotações geralmente começam com uma breve descrição das condições climáticas. As refeições também são dignas de nota. Quase sempre ele as considera insatisfatórias, assim como o lugar onde come: “a sala de jantar é um verdadeiro chiqueiro”.
É provável que passasse parte do tempo lendo, pois tinha acesso aos jornais. O Tempo e O Paiz são citados com frequência. Foi pela imprensa que ficou sabendo que um dos líderes da Revolta, Saldanha da Gama (1846-1895), teria sido ferido. Ele leu, mas não levou muito a sério: “O Tempo dá que o estado de Saldanha é melindroso, mas é jornal que mente muito”. Também pelos jornais soube do surto de febre amarela na cidade: “Peste e Guerra! Não faltava mais nada para a pobre República!”
Às vezes o acesso aos jornais era cortado. O almirante comenta e questiona a atitude do responsável pela fortaleza, tenente Teixeira, por recolher exemplares e decidir que os presos não poderiam mandar comprar jornais: “Haverá conduta mais mesquinha?”
Atento ao disse me disse entre os guardas, o almirante anotou em 12 de março de 1894: “Chegou o boato aqui de que Saldanha propôs capitular. Será possível?”. Tratava-se de meia verdade. No dia seguinte chegou ao fim a Revolta da Armada, mas sem que houvesse a capitulação. Saldanha da Gama se dirigiria ao Rio Grande do Sul para auxiliar na Revolução Federalista, morrendo em combate em 1895. Em 14 de março, Wandenkolk relata uma cidade em festa pelo fim da Revolta.
O último registro do diário é de 30 de abril de 1894, dia do aniversário do marechal Floriano. Ainda encarcerado, Wandenkolk mais uma vez ataca os jornais. Acusa O Paiz de ser um “bajulador servil”, pela proposta de tornar o aniversário do marechal Floriano Peixoto uma data festiva nacional. Segundo o almirante, no ano seguinte a data não seria mais lembrada.
Não foram encontrados registros sobre a data em que o almirante foi solto. Os revoltosos da Armada, no entanto, foram anistiados em 1895, ano em que ele reassumiu sua vaga no Senado, onde permaneceu até 1900.
Christianne Theodoro de Jesus é funcionária da Fundação Biblioteca Nacional
O diário do almirante
Christianne Theodoro de Jesus