No terceiro andar da Biblioteca Nacional, no salão de leitura da Divisão de Obras Raras, pequenos móveis envidraçados passaram a exibir, em dezembro último, livros e objetos sobre a luxúria. A idéia inicial era trazer ao público uma única exposição sobre os sete pecados capitais. Quando as pesquisas no acervo da Biblioteca começaram a ser feitas, logo se descobriu que uma exposição seria pouco para a grande quantidade de curiosidades deliciosas que se ia descobrindo. O espaço do salão seria pequeno para tantos pecados. O jeito foi dividir a exposição em uma série de mostras, cada uma tratando de um pecado específico.
Idealizadora do ciclo de exposições sobre os sete pecados capitais, a bibliotecária Ana Virginia Pinheiro, chefe da Divisão de Obras Raras, diz que o principal objetivo das exposições é seduzir o público comum, despertando sua curiosidade para um assunto conhecido – quiçá praticado – por todos. Decidiu-se então que a luxúria era o pecado mais polêmico e atraente, e que, portanto, deveria abrir a série. Não à toa, no primeiro mostruário da exposição, um livro intitulado Desenganno dos Pecadores, escrito por Alexandre Perier e publicado em 1724, comentava a respeito da luxúria que “não há pecado que mais irrite a Deus”. Se a luxúria é para Deus o mais detestável dos pecados, provavelmente seria, para o espectador, o mais sedutor de todos. A escolha foi acertada. A exposição foi um sucesso e abriu caminho para que os demais pecados entrassem tranqüilamente em cena.
Em seguida veio a gula, recheada de livros deliciosos. Alguns mais filosóficos – como o de Sir Benjamin Rumford, Do Prazer da Comida, e dos meios que se podem empregar para o augmentar –, outros mais diretos, trazendo receitas curiosas, como a de “ovos molles”, ensinada pelo cozinheiro real Domingos Rodrigues no livro Arte de Cozinha..., de 1794, e até o menu do jantar do último baile da Monarquia, em 1889 – servido por 60 trinchadores e 150 garçons, para 500 convidados que consumiram, entre outras coisas, 800 quilos de camarão, 1300 frangos, 1200 latas de aspargos e 64 faisões. Parece que a luxúria também foi convidada para o baile, pois uma coluna humorística da época noticiou que o serviço de limpeza recolheu, entre copos e garrafas, peças de roupas íntimas femininas.
Depois de tanta gula e luxúria, é sempre bom descansar. Até a metade do mês de abril, o salão de leitura da Divisão de Obras Raras vai prestar uma grande homenagem a um dos mais celebrados pecados nacionais: a preguiça. Para tanto, serão mostrados livros que abordem de maneira singular o assunto ou que tenham se transformado em referência obrigatória do tema – como a primeira edição de Macunaíma, de Mário de Andrade (o tema é tão nobre que a Revista de História a ele dedicou sua edição nº 17, estampando Grande Otelo na capa, preguiçosamente embalado numa rede).
A idealizadora do projeto, Ana Virginia Pinheiro, conta que o ciclo pretende “despertar a curiosidade sem ser piegas”, mostrando ao público que a Biblioteca Nacional não é um espaço exclusivo para historiadores, mas para todos que queiram conhecer um pouco mais a fundo qualquer assunto.
Pauo da Costa e Silva
O festival dos pecados
Paulo da Costa e Silva