Um dos caminhos mais simples que um navio pode fazer para chegar à costa africana, partindo de um porto no Brasil, é uma linha reta na direção leste. A noção de que o deslocamento em alto-mar pode ser facilitado pela demarcação de linhas imaginárias no globo é antiga e foi sistematizada pelo matemático Gerard Mercator, no século XVI. O belga esticou no papel a esfera terrestre e traçou nele paralelos e meridianos que se cruzam, eventualmente, em ângulos constantes. Uma grande ajuda aos marujos daquele tempo.
Este mês comemoram-se os 500 anos do nascimento de Mercator, e a Biblioteca Nacional presta sua homenagem com uma exposição na Divisão de Cartografia. A mostra vai reunir mapas e livros publicados no início do século XVII, como A geografia de Ptolomeu, editado por Hondius Jodocus em 1605. Todo o material teve as projeções do matemático como base para a elaboração das imagens geográficas. “Queremos destacar a importância dele para a cartografia: como eram os mapas que criou e como são usados até hoje”, explica Maria Dulce de Faria, chefe da Divisão. Ela lembra que a projeção de Mercator não ficou obsoleta. Apesar das distorções espaciais presentes nos extremos do globo e da centralidade da Europa como coração do mundo, ela serve de base para cartas náuticas até hoje.
O geógrafo Guilherme Ribeiro, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, concorda e explica que os desenhos de Mercator exprimiam o pensamento eurocêntrico, característico da Época Moderna, e por isso demoraram séculos para ser criticados. “Naquele momento, a Europa estava se lançando nas grandes navegações, e aquele mapa representa a face cartográfica dessa conquista do mundo. Ao afastar-se da linha do equador, as formas e o tamanho das superfícies são bastante distorcidos. A Groenlândia, por exemplo, fica maior do que a América do Sul! Mercator reuniu o que havia de mais avançado em seu tempo, e por isso é um divisor de águas na história da cartografia, da geografia, da representação do mundo”.
Esta maneira de ver o planeta só mudou em meados do século XX, quando o alemão Gal Peters decidiu chamar atenção para os países ao sul do equador. “Em 1974, a projeção de Peters conseguiu engendrar um mapa que mantém a área dos continentes, distorcendo suas formas. Trata-se de outra geopolítica, de caráter mais ‘solidário’”, conta Guilherme. Para ele, é importante aproveitar o evento para que se entenda que não existe projeção neutra. “Nenhuma representação do mundo é isenta de valores”. (Alice Melo)
Saiba Mais
Exposição Gerard Mercator
A partir de 6 de março, em frente à Divisão de Cartografia da BN.
A melhor cópia digitalizada do mapa-múndi de Mercator pode ser encontrada no site da Biblioteca Nacional da França:
O homem que achatou o mundo
Alice Melo