Paris, capital da moda. Herdada das cortes luxuosas que acabaram levando a monarquia à guilhotina, sua tradição de aliar o poder ao bem-vestir não terminou com a Revolução Francesa. Em 1852, quando a cidade novamente se tornou a sede de um Império, deu-se início a um novo período de ostentação.
Napoleão Bonaparte, imperador entre 1804 e 1814, já havia demonstrado interesse em reposicionar Paris como a referência europeia da moda. Mas esse resgate só viria durante o governo de seu sobrinho Luís Bonaparte – que era presidente, mas em 1851 deu um golpe para tornar-se imperador, então conhecido por Napoleão III. Desde a queda de Luís XVI e Maria Antonieta, em 1792, não se via corte tão luxuosa em território francês. A imperatriz Eugenia era admiradora da antiga rainha e de seus delírios consumistas. A busca por tecidos caros, vestidos volumosos e joias exuberantes tornou-se uma obsessão. A imagem do casal imperial foi construída através de luxo, festas, normas de etiqueta e a distribuição de inúmeros títulos de nobreza. Em uma Europa que se industrializava, o governo de Napoleão III apegou-se aos valores da antiga sociedade de corte.Com a ajuda do Barão Haussmann, o imperador também promoveu uma série de reformas urbanas em Paris entre 1853 e 1870. Ordenou a destruição de dezenas de ruas e prédios, expulsando para a periferia um grande número de trabalhadores. O barão abriu largas avenidas que, além de permitirem a rápida circulação, impediam a construção de barricadas, dificultando a ocorrência de revoltas populares. A cidade transformava-se, então, em uma das principais representantes dos ideais de modernidade. Os bulevares passaram a receber, diariamente, milhares de pessoas e carruagens, celebrando a lógica do movimento e da rapidez.As profundas mudanças chegaram também ao vestuário. Foi naquele período que surgiu o primeiro estilista da história. E era um inglês. Com Charles Frederick Worth nascia a Alta Costura. Na Grande Exibição de 1851, em Londres, algumas mulheres vestiram roupas criadas pelo estilista. Mas depois da instauração do Segundo Império, era Paris o foco da moda mundial. Foi lá, durante a Exposição Universal de 1855, que Worth conseguiu cair nas graças da aristocracia francesa, tendo um de seus vestidos premiado. Na sequência, confeccionou um traje para a princesa Metternich, esposa do embaixador da Áustria em Paris. Ela estreou a peça em um baile, e a imperatriz Eugenia ficou encantada com a roupa. Sabendo que havia sido desenhada por Worth, não demorou a tornar-se cliente e divulgadora do estilista.
“Vestidos e mantos confeccionados, sedas e altas novidades”, anunciava uma das primeiras propagandas da maison Worth na imprensa, em 1858. Esta era, de fato, uma originalidade do inglês: criar constantemente modelos inéditos, apresentados em desfiles luxuosos a clientes da aristocracia e depois confeccionados em suas medidas exatas. Havia também a garantia de que a mesma peça só seria executada novamente uma única vez – e para uma mulher que residisse em país diferente. Isto evitaria o constrangimento de a cliente encontrar alguém vestida da mesma forma.Em 1868, Worth fundou um órgão chamado La Chambre Syndicale de la Confection et de la Couture pour Dames et Fillettes. Foi ali que ficou estabelecida a diferença entre a couture (costura), que trabalha com a produção de modelos inéditos, sob medida, para clientes específicas, e a confection (confecção), que fabrica roupas em série para um público amplo, imitando as peças originais. Para que uma marca fosse considerada Alta Costura, havia uma série de requisitos a serem cumpridos, entre eles ser registrada na Federação Francesa de Costura, possuir sede em Paris, elaborar peças exclusivas e feitas principalmente à mão.Worth trouxe diversas inovações para a história da moda. A criação da Alta Costura deu um novo sentido ao trabalho do costureiro, transformando-o num estilista. Ele regulou as criações dos trajes para um mercado que necessitava de lançamentos novos a cada semestre. E ainda inaugurou a ideia de tendências ditadas pelos criadores em seus ateliês. Curiosamente, as criações do estilista inglês seguiam na contramão das transformações tecnológicas instauradas pela sociedade burguesa e industrial. No momento em que a produção se tornava cada vez mais massificada, a Alta Costura representava um resgate dos meios artesanais e exclusivos.Napoleão III representava essa ambiguidade, reconhecido como um governante que deu voz às aspirações da burguesia em processo de fortalecimento, mas ao mesmo tempo tendo criado um cotidiano de corte semelhante ao da nobreza do Antigo Regime. A opção pelo casamento com a condessa espanhola Eugenia de Montijo, assim como a de ter amantes que ostentavam títulos de nobreza – como a condessa de Castiglione – indicavam suas intenções de reavivar a pompa da antiga sociedade de corte de Versalhes. O desejo de ostentar poder através da construção de uma imagem calcada na nobreza, na etiqueta e em roupas de luxo tornou-se uma constante durante todo o seu governo, que duraria até 1870.
Ao instaurar o Império, o soberano estimulou o desenvolvimento industrial e comercial francês. Assim garantia o apoio de uma burguesia satisfeita com as boas condições materiais que lhe eram oferecidas pelo novo regime. A indústria têxtil passou por um grande desenvolvimento. A produção de roupas em larga escala encontrava, na burguesia urbana em ascensão, o público consumidor perfeito. Os grandes magazines, como o Bon Marché (1838) e La Belle Jardiniére (1824), realizavam exposições permanentes de peças e ofereciam aos clientes vantagens inéditas: entrega em domicílio, reposição do estoque e troca de artigos. Nesses espaços comerciais, o consumidor encontrava em quantidade os produtos de confecção, ou seja, roupas em série vendidas por um preço mais baixo para as camadas médias da população.Embora setores da burguesia – como comerciantes, industriais e banqueiros – tivessem influência no governo de Napoleão III, havia limites para seus poderes, afinal, a antiga aristocracia europeia não havia deixado de existir e controlava boa parte das riquezas no continente. Artistas, escritores e intelectuais oriundos da burguesia também conseguiam posições de prestígio em meio à tradicional aristocracia. Muitos passaram a frequentar os bailes e a ópera, alguns recebiam medalhas e conseguiam casar-se com membros da nobreza. Outros ganhavam títulos de nobreza sem nem passar pelo ritual do matrimônio, ou seja, havia um interesse declarado por parte das camadas médias em pertencer à sociedade tradicional, que ainda tinha grande poder e influência sobre o destino da Europa.Várias características das antigas cortes europeias sobreviveram às revoluções de 1789 e 1848. O contraponto aos avanços da industrialização e da burguesia eram as “forças de inércia e resistência que retardaram o declínio da antiga ordem”, nos termos do historiador Arno Mayer. A antiga aristocracia, mesmo absorvendo diversas práticas do capitalismo e incorporando elementos das classes médias, não abria mão de sua forma de ver o mundo. Coube aos novos aristocratas adaptarem-se a um universo diferente, porém fascinante.A criação da Alta Costura e o sucesso que alcançou durante o Segundo Império foram símbolos desse período de inovações burguesas e permanências aristocráticas.Paulo Debom é professor da Universidade Cândido Mendes e do Senac-Rio, autor de “Nas Tramas dos Textos e dos Tecidos” (Revista Convergência Crítica, UFF, Campos, 2013). Disponível em: http://www.uff.br/periodicoshumanas/index.php/convergenciacritica/article/view/1101Saiba Mais:BOUCHER, François. História do Vestuário no Ocidente. São Paulo: Editora Cosac e Naif, 2010.DIDIER, Grumbach. Histórias da Moda. São Paulo: Cosac e Naif, 2009.LAVER, James. A Roupa e a Moda: uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
O império da ostentação
Paulo Debom