Uma igreja em troca da liberdade. Foi esta a proposta feita pelo missionário italiano Gregório Maria de Bene a um grupo de escravos da vila de São José de Queimado, interior do Espírito Santo, em 1845. Sem recursos para construir seu templo, o pároco prometeu: quem ajudar na obra recebe a alforria.
A tentadora proposta atraiu escravos de várias partes da província, que trabalharam arduamente durante quatro anos. O resultado? Como era de se esperar, ninguém foi libertado. A reação não tardou: em 19 de março de 1849, dia da grande inauguração da Igreja de São José, padroeiro da comunidade, os negros, revoltados, se uniram e, de armas em punho, invadiram a igrejinha aos gritos de “Viva a liberdade!” Como o vigário escapou, foram então ao encalço dos senhores de engenho da região, forçando-os a assinar suas cartas de alforria no episódio que ficou conhecido como “Insurreição do Queimado” – um marco da história capixaba. O conflito deixou dezenas de mortos entre os rebelados e as forças militares enviadas pelo governo imperial. Dizem que o velho ditado “cair no conto do vigário” inspirou-se nesse caso.
Todo ano, no dia 19 de março, o movimento libertário é relembrado em um encontro no local das ruínas da Igreja de São José, atraindo turistas, estudantes e a população local. Em 2009, a comemoração será especial: o levante completa 160 anos.
Oportunidade, quem sabe, para melhorar a conservação do lugar. Restam apenas resquícios da estrutura original da igreja, e mesmo estes parecem prestes a desmoronar. O cemitério da vila, abandonado, também aguarda restauro. Valiosos vestígios arqueológicos da época, reminiscências dos armazéns de café, das residências e do porto às margens do Rio Santa Maria estão encobertos pela mata. Queimado, hoje pertencente ao município de Serra, é um distrito isolado econômica e culturalmente.
A idéia de recuperar aquele patrimônio mobiliza um grupo de professores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Juntamente com a prefeitura, eles prepararam um plano de reabilitação do sítio histórico e arqueológico do vilarejo. Uma das responsáveis pelo projeto, a arquiteta Renata Hermanny de Souza, diz que a idéia é não só recuperar as edificações, mas também integrar a região ao restante do município. “Apesar de tombada pelo governo estadual desde 1999, a igreja foi saqueada ao longo dos anos, pois existia uma lenda de que havia um tesouro enterrado lá. Nossa idéia é não deixar isso se repetir. Além de restaurar o patrimônio, pretendemos resgatar as tradições folclóricas do município e incentivar a produção cultural e a difusão das artes”, diz ela.
Merecida reparação à justa revolta daqueles rebeldes. Se a alforria lhes foi negada, agora eles podem conquistar um lugar mais nobre na História.
O preço da liberdade
Filipe Monteiro