Ele era descrito como uma “figura impressionante de preto”. Bem alto e “muito gordo”, gostava de usar gorro preto descambado para a direita e uma espécie de camisola branca que “lhe exagerava o volume das carnes”. E estava acostumado a acordar às quatro da madrugada para ler o Alcorão e observar “rigorosamente todos os mandamentos de sua seita”.
No Rio de Janeiro do início do século XX, Assumano Henrique Mina do Brasil era reconhecido como um importante líder muçulmano, o “príncipe dos alufás”. Nascido na capital carioca em 1880, era filho dos africanos Mohamed Salim e Fátima Faustina Mina Brasil e morava no coração da “Pequena África”, nos arredores da Praça Onze, desde pelo menos a década de 1910.
O sobrado em que vivia estava sempre de portas abertas. Recebia vizinhos, crianças, políticos, jornalistas. Além de ser amigo de babalaôs (pais de santo), transitava pelo mundo do samba. Era “pai espiritual” de José Barbosa da Silva, o Sinhô, e o primeiro a ouvir suas músicas. O compositor acreditava que sua popularidade era devida, unicamente, àquela “influência espiritual”.
Não cobrava por suas consultas. Mesmo assim recebia “polpudas importâncias”, sobretudo quando as graças eram alcançadas. Entretanto, como Assumano destacou em 1931, “quando alguém, curado, quer retribuir o benefício, dou 90% do mesmo aos pobres, ficando o restante para ser distribuído às crianças”. Na sala de seu sobrado, o alufá recriava tradições islâmicas e africanas. Passava dias em jejum, redigia preces em “caracteres arábicos”, orava em linguagem africana e até sacrificava carneiros.
Por isso não escapou da repressão a pessoas ligadas às religiões afro-brasileiras. Com o Código Penal Republicano de 1890, criaram-se três artigos específicos que puniam o curandeirismo, a magia e a prática ilegal da medicina. Na violenta campanha policial que se seguiu, Assumano foi detido pelo menos três vezes nas décadas de 1920 e 1930. Numa dessas ocasiões, foram confiscados objetos “suspeitos”, como chifres de carneiro e pele de cobra – avaliados por “peritos especializados”.
Assumano faleceu em julho de 1933 sem deixar filhos de sangue. Mas passou boa parte de sua vida cercado de “filhos espirituais”. Embora detalhes de sua trajetória ainda permaneçam desconhecidos, seu nome continua a evocar uma memória africana de prestígio no Rio de Janeiro.
Juliana Barreto Farias é professora na Universidade Estadual de Feira de Santana e autora de “Assumano Mina do Brasil: personagens e Áfricas ocultas, 1892-1927”. In: FARIAS, Juliana B.; GOMES, Flávio S. & SOARES, C. E. L. No labirinto das nações: africanos e identidades no Rio de Janeiro (Arquivo Nacional, 2005).
SAIBA MAIS
LOPES, Nei. Bantos, malês e identidade negra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988.
MOURA, Roberto. Tia Ciata e a Pequena África no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1995.
O príncipe dos alufás
Juliana Barreto Farias