O verdadeiro futebol-arte

Adriano Belisário

  • O mais antigo registro cinematográfico de uma partida de futebol no Brasil foi feito em 1911 pelo jornalista Jurandyr Noronha. As cenas causam estranheza, pois o esporte estava longe de ser popular naquela época. Com suas melhores roupas, somente as elites iam aos estádios. Tudo era elegante, e a torcida parecia tão empolgada quanto uma platéia de ópera.

    Quase um século depois, o público tem a chance de refazer essa viagem no tempo. O Festival Internacional de Cinema de Arquivo (Recine) dedica a edição deste ano ao futebol. De 13 a 17 de outubro, as palmeiras imperiais do Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, servem de baliza para a projeção de 80 filmes sobre o esporte que virou paixão nacional.

    O pontapé inicial do festival é de “Garrincha, Alegria do Povo”, de Joaquim Pedro de Andrade (1962). O gênio das pernas tortas integra uma ilustre seleção de craques homenageados na mostra. Além dele, Maradona, Zidane e Pelé também ganham sessões próprias. Os 50 anos do nosso primeiro título mundial são celebrados com “1958 – O ano em que o mundo descobriu o Brasil”, de José Carlos Asbeg. O filme dá voz aos heróis que fizeram o país soltar o grito de campeão preso na garganta havia oito anos, desde a vergonhosa derrota para o Uruguai no Maracanã. Mas ficou de fora o depoimento do personagem principal. “Pelé é uma das figuras mais procuradas do mundo. Não tive condições de alcançar o que a assessoria pedia. Lamento pela história do futebol, mas o filme faz uma grande homenagem a ele”, explica Asbeg, que planeja adaptar “1958” para uma série de televisão.

    Os documentários são o forte deste Recine. Difícil não se deixar levar pelo saudosismo quando se assiste ao filme “Brasil Bom de Bola” (Carlos Niemeyer), com trechos do “Canal 100”. Pioneiro na exibição de lances em câmera lenta, este cinejornal foi exibido durante décadas, tornando famosa sua vinheta de abertura, a música “Que bonito é...”.

    Organizador do festival, Clóvis Molinari conta que foi difícil selecionar obras ficcionais sobre o tema. Segundo ele, a maioria dos filmes une o esporte a situações políticas. É o caso de “Pra Frente, Brasil” (1983) e “O ano em que meus pais saíram de férias” (2006), também na programação no festival. “As experiências com romances e histórias biográficas são poucas e, em geral, não conseguiram mexer com o interesse dos espectadores”, afirma. Esta dificuldade é um dos temas de debate com palestrantes convidados: Ruy Castro, José Miguel Wisnik e Luiz Rosemberg Filho estão escalados. O evento conta também com a participação de Eduardo Galeano, que gravou um depoimento exclusivo para o Recine. Publicada em seu livro Futebol ao sol e à sombra, uma crônica sobre Garrincha é lida pelo escritor no vídeo.

    O apito final cabe ao jornalista Maurício Menezes. Ele apresenta uma versão condensada do espetáculo “Plantão de notícias”, com fatos curiosos sobre o futebol veiculados pela grande imprensa.

    Nas telas ou nos campos, futebol é assunto que extrapola as quatro linhas.