Quando um judeu morre, no Rio de Janeiro, seu corpo costuma ter três destinos possíveis. As famílias mais ortodoxas prezam a idéia de enterrar seus mortos em Israel. Para os que não querem tamanha solenidade, sobram duas opções: os cemitérios israelitas de São João de Meriti e de Nilópolis, duas cidades vizinhas. Há, ainda, o cemitério do Caju, cuja construção foi posterior.
Mas por que os judeus cariocas são enterrados tão longe?
Esses e outros mistérios da religião estão a ponto de ser revelados pelo jornalista Radamés Vieira, que está produzindo um documentário sobre a comunidade judaica instalada em Nilópolis entre 1920 e 1960. O filme é baseado no livro Vivência judaica em Nilópolis, de Esther London, uma judia polonesa que morou na cidade entre 1939 e 1952. O resultado final servirá, ainda, como base para uma ficção dirigida por Roberto Farias, diretor de O assalto ao trem pagador.
A história dos judeus em Nilópolis começa na década de 1920, no Leste Europeu, quando judeus da Polônia, da Romênia e da Bielorrússia passaram a migrar para diversas partes do mundo, inclusive o Brasil. No Rio de Janeiro, as novas levas de imigrantes tiveram que encontrar um lugar compatível com o espaço que demandavam e com seu baixo poder aquisitivo. Nilópolis era uma antiga fazenda loteada, a uma hora de trem da capital. Foi para lá que cerca de trezentas famílias rumaram.
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Vieira conta que, assentados, os imigrantes criaram em Nilópolis “uma espécie de shtetel” – um dos pequenos povoados judaicos da Rússia e da Polônia: “Já havia judeus em subúrbios. Mas, em Nilópolis, eles se agruparam: virou um gueto livre nos trópicos”. Em 1925, o rabino da praça Onze achou por bem construir uma sinagoga por lá, que hoje se encontra deteriorada.
A partir dos anos 1960, a comunidade começou a se dissolver. As famílias que alcançaram situação financeira sólida se mudaram para bairros próximos ao centro do Rio. Houve, assim, um “êxodo judaico” de Nilópolis para Tijuca, Copacabana, Ipanema e Leblon. Mas as cores de Isarel permanecem entranhadas na cidade: reza a lenda que inspiraram o azul e branco da escola de samba Beija-Flor.
A pergunta, no entanto, permanece: por que os judeus voltaram para o Rio e continuam sendo enterrados nos arredores? Vieira responde: “Quando o Rio era Distrito Federal, a administração dos cemitérios era feita pela Santa Casa, que, por ser católica, não admitia a existência de cemitérios judaicos. Os judeus que morriam tinham que ser enterrados nos cemitérios protestantes. Mas era uma situação desconfortável: as famílias não podiam seguir todos os rituais fúnebres”.
A solução encontrada foi construir os cemitérios nas cidades vizinhas. Mistério esclarecido.