O filme A guerra dos mundos (2005), dirigido por Steven Spielberg e estrelado por Tom Cruise, encena uma devastadora e aterrorizante invasão marciana. O ataque alienígena foi no entanto apenas mais uma das várias invasões sofridas pelo planeta Terra através de livros, filmes, revistas, histórias em quadrinhos, jogos eletrônicos e rádio. Como veremos adiante, nem as cidades brasileiras de Caratinga, em Minas Gerais, e São Luís, no Maranhão, escaparam aos “ataques” dos extraterrestres.
As invasões marcianas foram todas inspiradas no livro mais famoso do escritor inglês Herbert George Wells (1866-1946), A guerra dos mundos, publicado na Inglaterra em 1898. Na obra, considerada um marco da ficção científica, os marcianos, após esgotarem os recursos naturais de seu planeta, invadem a Terra e iniciam o extermínio da raça humana com a utilização de terríveis raios térmicos que desintegravam as pessoas instantaneamente. Os invasores, que se locomoviam através de impressionantes naves espaciais, construíam milhares de apavorantes torres de guerra e eram aparentemente indestrutíveis. São derrotados, no final, por microorganismos terrestres inofensivos aos seres humanos.
A invasão dos marcianos e a sua falta de anticorpos se relacionavam a um questionamento da civilização e do imperialismo inglês do século XIX. A cruel dominação dos invasores, que se alimentavam de sangue humano, matavam sem necessidade e transformavam tudo ao seu alcance em cinzas, é uma alusão à destruição da natureza e aos genocídios praticados pela política colonialista.
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O livro escrito há mais de cem anos inspirou, em 1938, o programa que se tornou o caso mais célebre de histeria coletiva da história. Em 30 de outubro de 1938, Dia das Bruxas nos Estados Unidos, o jovem ator norte-americano Orson Welles (1915-1985), com base no livro do escritor inglês, fez um programa de rádio simulando uma invasão extraterrestre. A transmissão causou pânico em boa parte do país ao fazer muitos acreditarem que os marcianos estavam aterrissando dentro de cilindros metálicos e invadindo a Terra.
Logo no início do programa, o ouvinte foi levado a esquecer que estava ouvindo uma obra de ficção, pois a transmissão era interrompida por boletins de notícias cada vez mais freqüentes e alarmantes. A transmissão continuou interrompendo a programação "normal" de forma crescente até que o repórter fictício Carl Phillips passou a transmitir em tempo integral de Grover's Mill, onde teria sido encontrado um enorme meteoro que logo depois se descobriu ser um cilindro de metal.
A interpretação sonora do extermínio da raça humana pelos monstros extraterrestres durante a transmissão de uma hora fez milhares de norte-americanos rezarem, chorarem e fugirem apavorados. Enquanto muitos se despediram dos parentes e preveniram os vizinhos do perigo que se aproximava, outros ligaram insistentemente pedindo ambulâncias e viaturas policiais. A rede de rádio Columbia Broadcasting System (CBS) calculou na época que, dos 6 milhões de pessoas que ouviram o programa, pelo menos 1,2 milhão tomaram a dramatização como fato verídico, acreditando que estavam mesmo acompanhando uma reportagem extraordinária. O caso também motivou a produção de várias adaptações para o cinema, dentre as quais a dirigida por Byron Haskin (1953).
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As invasões marcianas também fizeram sucesso no Brasil. Dentre as experiências que resultaram em confusões e temor entre a população, as mais curiosas são a de Caratinga (MG) e a de São Luís, capital do Maranhão. Em 22 de novembro de 1954, um radiotelegrafista de Caratinga transmitiu durante quase uma hora a mensagem “urgente” informando que um disco voador havia aterrissado na cidade. Pedindo com insistência que as autoridades federais enviassem “forças urgentes” ao interior de Minas, ele transmitiu mensagens para o mundo inteiro narrando a situação de pânico na cidade que estaria sendo invadida pelos marcianos.
A transmissão, que detalhou os marcianos, suas naves e uma aterrorizante invasão, foi captada inicialmente em Belo Horizonte e retransmitida para o Rio de Janeiro, deixando poucas dúvidas aos ouvintes de que Caratinga estava mesmo sendo invadida. Em Belo Horizonte, os telefones das redações de alguns jornais não cessavam de tocar; no Rio de Janeiro, a transmissão gerou confusão no Ministério da Aeronáutica.
De acordo com jornais da época, um brigadeiro que pedalava no bairro do Leblon, zona sul do Rio de Janeiro, guardou sua bicicleta às pressas e retornou à sua base ministerial, a fim de mobilizar as forças pedidas pelo até então desconhecido radiotelegrafista de Caratinga. Imediatamente, sob o comando de um coronel, um grupo de oficiais da Aeronáutica levantou vôo no C-47 20-53, da FAB, rumo à cidade mineira, com fotógrafos e vários apetrechos, enquanto outros aparelhos ficaram de prontidão na pista de decolagem, com os motores funcionando, aguardando somente a ordem de partir.
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Quando a imprensa carioca se mobilizava para documentar o grande acontecimento do século, enviando seus repórteres ao Ministério da Aeronáutica para cobrir as aterrissagens dos marcianos em Caratinga, o boato já havia sido desmentido com outra mensagem radiotelegráfica vinda da cidade mineira: “Aqui não desceu disco nenhum, cidade na mais perfeita calma”. Pouco depois, o avião enviado pela FAB retornou de Caratinga também com o desmentido. A cidade voltou, enfim, à sua habitual tranqüilidade. Foi essa mesma tranqüilidade, aliás, que deixara o radiotelegrafista entediado com a cidadezinha pouco movimentada, levando-o a inventar a história da invasão extraterrestre para “quebrar a pasmaceira”. O trote não passou, segundo os jornais, “de mais uma brincadeira de mau gosto no estilo de um certo sr. Orson Welles”.
Em plena ditadura militar, em 30 de outubro de 1971, os diretores da Rádio Difusora de São Luís (MA) planejaram fazer um programa de grande repercussão que pudesse aumentar a audiência da emissora e atrair mais anunciantes. Para dar credibilidade à invasão marciana, que foi transmitida através do programa líder de audiência Paradão do Rayol, o idealizador do roteiro e coordenador da transmissão utilizou locais próximos a São Luís, como Cururupu, município do litoral maranhense.
No início daquela manhã, antes de o programa da invasão ser transmitido, um radialista informou que um intelectual, em um furo de reportagem, entrevistaria um astrônomo do Observatório Nacional. De acordo com o radialista, o cientista estava no Maranhão para investigar vestígios de uma nave que teria aterrissado nas proximidades da capital, onde existiria – o que é verdade – um tipo especial de areia denominada monazítica. Durante a entrevista o cientista revelou ter encontrado uma peça de magnésio desconhecida no planeta Terra, objetivando criar certa expectativa entre os ouvintes.
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Pouco depois, o apresentador de Paradão do Rayol informou que um cientista do Observatório de Monte Palomar teria visto uma série de explosões de gases incandescentes na superfície do planeta Marte, que expeliam partículas em uma “velocidade fantástica” em direção ao planeta Terra. A informação foi confirmada pelo cientista do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, que comparou as explosões marcianas às “chamas azuladas saídas de um cano de revólver”. Os boletins informativos distribuídos ao longo do programa, assim como na transmissão de Orson Welles, contribuíram para convencer os ouvintes de que estavam tomando conhecimento de fatos verdadeiros.
O programa também anunciou que o Exército Brasileiro estava em prontidão, e que o 24º Batalhão de Caçadores de São Luís, recolhido ao quartel, se achava pronto para entrar em ação. A situação representada através da estação de rádio tornava-se cada vez mais dramática à medida que os extraterrestres se aproximavam da capital. Os momentos mais ameaçadores, foram a morte da equipe de reportagem, a queda de uma esfera metálica de 30 metros de diâmetro e a aproximação de uma densa nuvem negra mortífera.
A divulgação de tais notícias, de acordo com um documento emitido pela Divisão de Segurança do Comando da 3a Zona Aérea do Ministério da Aeronáutica, causou pânico em todo o estado. Não apenas o comandante do 24º BC recebeu inúmeros telefonemas de ouvintes completamente aterrorizados, como também a emissora atendeu a várias ligações de pessoas desesperadas que tinham parentes em outros estados, e até mesmo de um capitão da Polícia Militar ávido por informações sobre a invasão marciana.
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O impacto que a “invasão” teve sobre a população pode ser avaliado pela decisão, tomada em reunião do comandante do 24º BC com juízes federais, o procurador da Justiça estadual e o delegado da Polícia Federal, de tirar imediatamente a emissora do ar.
A penalidade só não foi maior porque a equipe montou um truque de edição. O programa gravado que foi apresentado aos órgãos de segurança teve acrescido o texto “ficção científica baseada em Orson Welles”, que não havia sido lido na transmissão. A sensata medida, associada ao fato de que o programa havia sido previamente liberado pela censura, contribuiu para evitar que a emissora fosse punida pelo Departamento Nacional de Telecomunicações (Dentel).
O comandante do 24º BC em São Luís, depois de ouvir a versão de que o texto continha “ficção científica baseada em Orson Welles”, exigiu que as empresas de comunicação do proprietário da emissora, a Rádio e a TV Difusora, veiculassem uma nota de esclarecimento a cada meia hora, a fim de tranqüilizar a população. Uma esquadrilha da Força Aérea Brasileira (FAB) de Belém do Pará também levou a transmissão a sério. Quando sobrevoava uma região próxima a São Luís logo após o término do programa, os pilotos receberam a notícia da suposta invasão e a ordem de retornar imediatamente à base.
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Com exceção de alguns casos de invasão da emissora por cidadãos indignados com o programa, nenhum incidente grave foi registrado, mesmo porque a Polícia Federal logo assumiu o controle da situação. Algumas pessoas prometeram até revide à bala, contra a emissora e seus dirigentes, caso o estado de saúde de familiares, que passaram mal por causa da transmissão, viesse a se agravar. Embora o idealizador do roteiro houvesse tomado algumas precauções para evitar transtornos, o pânico causado por uma suposta invasão marciana chegou até mesmo à família do proprietário da estação, que na época era chefe da Casa Civil do governo do estado.
Pesquisas feitas após a transmissão do programa de Orson Welles, em 1938, apontaram que a enorme confusão causada pela transmissão estava diretamente ligada à falta de senso crítico e à desinformação de setores da sociedade com baixa escolaridade. Podemos considerar, por outro lado, que o impacto não apenas do programa transmitido nos Estados Unidos, mas também no Brasil, está intimamente ligado ao seu realismo, somado ao prestígio dos locutores, à linguagem utilizada e sobretudo à aceitação do rádio como um veículo de notícias importantes e verossímeis.
Inúmeras invasões marcianas foram representadas ao redor do mundo, levando milhares de pessoas a acreditar que a humanidade estava de fato sendo exterminada. O impacto social de tais representações foi tão expressivo, que um questionamento acerca da influência exercida não apenas pelo rádio, mas pelos meios de comunicação, é praticamente inevitável. Algumas vezes divertidas, e na maioria delas imprudentes, as representações de A guerra dos mundos chamam a atenção para a forte influência exercida pelos meios de comunicação na formação de nossas opiniões.
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As repetidas invasões alienígenas imaginadas com tanta criatividade revelam a importância de sabermos discernir o que ouvimos em nossos rádios ou assistimos em nossos televisores. Além disso, um pouco de ceticismo pode evitar que saiamos de nossas casas pedindo ajuda, apavorados, ao ouvirmos o aviso: “Os marcianos estão chegando!”.
Alexandre Busko Valim é doutorando em história social na Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador associado do Núcleo de Estudos Contemporâneos (NEC/UFF).
Os marcianos estão chegando!
Alexandre Busko Valim