As narrativas audiovisuais repercutem na visão que o público tem do mundo, da história, dos processos sociais e até de sua identidade – individual ou coletiva. Esta é uma constatação quase clichê que desafia qualquer cientista social, mas vem acompanhada da falta de um “acontecimento” que ofereça a oportunidade de comprová-la.
Ao ler um artigo sobre a minissérie Anos Rebeldes, me deparei com esse momento histórico sem igual: em 1992, o movimento pró-impeachment de Fernando Collor de Mello tinha sido animado, em algumas das manifestações nas quais os estudantes eram maioria, por aquela obra de teleficção.As referências à teleficção no campo da história são, ainda hoje, um desafio. A ideia de que uma obra de cunho popular possa se transformar em objeto de pesquisa é para muitos uma afronta. No entanto, eu tinha um consistente arsenal teórico para dar conta da pesquisa e uma trajetória acadêmica que transmitia segurança a qualquer orientador – desde que tivesse alguma coragem. Foi assim que surgiu a tese “Memórias da ditadura militar e os ‘rebeldes’ anos oitenta”.As dificuldades para a realização do trabalho foram muitas. O primeiro desafio que a minissérie apresentava era o trabalho de decupagem de mais de sete horas. O segundo era extrair das cenas aspectos pouco evidentes noutras fontes do período. O terceiro era escolher o foco. Algo como: devo privilegiar uma leitura das fontes visando à historiografia, às lutas de memória ou à representação midiática da história? Dúvida insolúvel, pois significava uma escolha que, obviamente, excluía as demais perspectivas.Eu sabia que são as fontes que devem “revelar” o caminho ao historiador: uma das mais antigas máximas da prática de pesquisa. Assim, fui realizando a investigação sem fazer escolhas, esperando que a trajetória apontasse uma resposta. Ocorreu exatamente isso: minhas leituras me levaram ao conceito de “cultura histórica”, do alemão Jörn Rüsen, cuja definição permite reunir obras memorialísticas, históricas, historiográficas e outras produções culturais que expressem o passado ou o representem.Na verdade, o problema fundamental não era metodológico, mas conceitual. As fontes falavam, literalmente, de seu tempo; o que mudou foi minha maneira de olhar para elas, pois tornaram-se formas de articulação das experiências do passado. Afinal, as lutas pela memória da ditadura deram-se a partir do final dos anos 1970, sobretudo nos anos 1980, quando o regime e a repressão perderam força, abrindo espaço para a sociedade civil.A hipótese de pesquisa consistiu em considerar que Anos Rebeldes foi capaz de articular, em um discurso plausível e verossímil para o público, um corolário de elementos propriamente históricos sobre o período da ditadura, além de memórias, histórias e outros discursos que circulavam na cultura brasileira nos anos anteriores à exibição da minissérie até 1992.Roberto Abdala Júnior é professor da Universidade Federal de Goiás e autor do artigo “Brasil anos 1990: teleficção e ditadura entre memórias e história” (Topoi, v. 13, 2012).
Os rebeldes na telinha
Roberto Abdala Junior