Os sonolentos da BN

Roberto Kaz

  • Com a chegada do verão, em dezembro, a cidade do Rio de Janeiro é invadida por um calor escaldante. Em dias de pico, a temperatura atinge 40ºC. Os surfistas de plantão correm para o mar. No Centro, quem trabalha precisa inventar outras formas de se refrescar. Algumas mulheres se abanam com leques. Outras bebem água de coco. E certas pessoas encontram solução mais barata, criativa e, digamos, “intelectualizada”: visitam a Biblioteca Nacional, onde, faça sol ou faça chuva, o clima é sempre o mesmo: a instituição tem uma aparelhagem de ar-condicionado impecável!

     O sistema de refrigeração da Biblioteca Nacional certamente não atrai tanta gente quanto o seu rico acervo de livros, periódicos, imagens e documentos históricos. Mas algumas pessoas entram no edifício com o intuito de ter uma tarde agradável, e, embaladas pelo clima ameno, acabam adormecendo. São os “sonolentos da Biblioteca”.

    Na Divisão de Periódicos, a maioria dos sonolentos é de aposentados que chegam à casa às nove da manhã e lá permanecem até o fim da tarde. Entre uma pesquisa e outra, acabam cochilando. Os funcionários preferem não incomodá-los (a não ser quando dormem com a cara rente a um documento histórico). No entanto, mesmo com um caso aqui e outro acolá, o número de “dorminhocos” na sala de periódicos é pequeno por uma razão espacial: ali, as mesas são coletivas. Mais vale pegar no sono na Divisão de Obras Gerais, onde as escrivaninhas são individuais.

    Maria Lúcia Guaraná, bibliotecária da Divisão de Obras Gerais há 25 anos, nunca viu usuário roncando ou caindo da cadeira devido ao sono, mas recorda o caso de um mendigo que levava um cobertor para melhor se aconchegar na cadeira. Dormia até que as luzes do prédio se apagassem – e ele tivesse que ser cordialmente expulso por um funcionário.

    Mas não são apenas os sonolentos que formam o acervo de curiosidades humanas da BN. Como ninguém pode ser barrado na entrada (exceto homens de camiseta regata e short curto), o edifício acaba abrigando alguns personagens exóticos. Maria Lúcia conta que, não raro, alguns homens um pouco afetados por álcool entram na casa. Dez anos atrás, um deles pediu-lhe um livro sobre orixás. Quando ela o encontrou, a alegria do cidadão foi tanta que ele começou a cantar e, não se contendo, tirou-a para dançar em plena sala de leitura. As pessoas que estudavam acharam graça. As que dormiam, despertadas à revelia, se enfadaram.

    (Por Roberto Kaz)