Há livros que curiosamente não têm como finalidade a leitura. Ou, ao menos, perderam esta função em algum momento. É o caso de um exemplar do Breviarium mimatense, livro de oraçõespublicado em Paris, em 1764, que foi transformado em uma caixa secreta para enganar os curiosos. As 68 páginas iniciais escondem um buraco no miolo, que facilmente abrigaria pequenos objetos, como joias e pedras preciosas. Armazenado na Divisão de Obras Raras da Biblioteca Nacional, a peça compõe a exposição “Livros Extraordinários”, que acontece na sede da instituição durante este mês. Ao lado dele, cerca de outras 20 obras revelam um mundo que vai além da palavra escrita.
Ana Virgínia Pinheiro, coordenadora da Divisão, diz que o material exposto foi publicado em diversas épocas e lugares. “São obras preciosas, no contexto da edição de livros no mundo, e que, por suas peculiaridades, são muito procuradas por colecionadores e valorizadas no mercado livreiro”. Entre elas há o livro De Simbolis heroicis (1634), escrito pelo jesuíta italiano Silvestro Petra Sancta (1590-1647) e ilustrado pelo pintor flamengo Peter Paul Rubens (1577-1640), um dos mais importantes artistas do período Barroco.
A professora de história da arte Angela Ancora da Luz, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirma que a expressividade do trabalho de Rubens é, por si só, extraordinária. “O mais fundamental é a técnica de luz e sombra em movimento: as formas estão sempre iluminadas teatralmente, é como um foco de luz iluminando uma parte da figura e a outra na sombra”. Para a professora, isto pode ser visto em telas ou gravuras nos mais diversos temas, como assuntos bíblicos, paisagens, cenas de caça ou retratos.
Outro atrativo da obra é o modo de impressão das imagens, a técnica chamada de gravura em metal: o desenho é feito com um instrumento pontiagudo que abre linhas fundas na placa, geralmente de cobre. Depois, a tinta é colocada sobre a placa e, na prensa, as marcas da imagem passam do metal para as páginas. Segundo a professora, esta técnica foi muito utilizada por artistas anteriores, contemporâneos e posteriores a Rubens, como Albrecht Dürer, Rembrandt e Goya. “Ao longo do tempo, essas artes gráficas foram valiosas para a reprodução das imagens”, observa.
Ana Virginia Pinheiro comenta ainda que os livros expostos“são testemunhos da condição humana em cada época”. Para ela, “um livro editado com características que o personalizam constitui a prova de um evento, de uma prática, de uma circunstância histórica, da capacidade criadora do homem”.
Páginas surpreendentes
Déborah Araujo