Palavra de Jango

Angélica Fontella

  • A formalização do convênio foi marcada por ato solene na Biblioteca Nacional e contou com pequena exposição de artigos já entregues à Fundação, como fotografias e cartas. (Divulgação / Foto Raíssa Ximenes)João Belchior Marques Goulart deu início à sua carreira política como deputado estadual do Rio Grande do Sul nos anos 1940. Nas duas décadas seguintes, sua atuação no cenário nacional seria cada vez mais marcante, culminando em um divisor de águas de nossa história.
     
    Amigo da família Vargas, ele teve um padrinho de peso. Getulio Vargas não apenas lançou João Goulart na política, como o alçou a ministro do Trabalho, Indústria e Comércio em seu segundo governo. Após o suicídio de Getulio, em 1954, Jango tornou-se seu herdeiro natural, eleito vice-presidente duas vezes: de Juscelino Kubitschek (1955) e Jânio Quadros (1961). A renúncia de Jânio, em 1961, fez de João Goulart o presidente da República. Em 1964, sofreu o golpe que enterraria a democracia brasileira por longos vinte anos. 
     
    A importante trajetória do ex-presidente, falecido em 1976, acaba de ficar mais acessível ao público. Por meio de um convênio assinado em dezembro, a Biblioteca Nacional e o Instituto João Goulart iniciam uma parceria que prevê a guarda, a identificação e a digitalização do acervo que compõe o arquivo de João Goulart. Serão dez anos de comodato, que poderão resultar na doação de todo o acervo. Nesse ínterim, já estão previstos projetos com uso dos materiais. “Assim que começarmos o processo de limpeza, identificação e digitalização, a ideia é promovermos debates e acesso dos pesquisadores ao que queremos chamar de memória do Trabalhismo Brasileiro”, adianta Angela Fatorelli, gerente do gabinete da Presidência da Biblioteca Nacional.
     
    Até agora foram enviados 61 documentos, entre cartas, telegramas, despachos e boletins. Muitos da época em que Jango estava exilado. Jorge Ferreira, professor de história do Brasil da Universidade Federal Fluminense e autor de Jango, uma biografia (2011), recupera as circunstâncias daquele momento: “Goulart vai para o exílio, esperando a normalização da situação política, como acontecera com Vargas em 1945. Quando percebe que isso não ocorrerá, fica inconformado e amargurado por deixar o país. Mas, vendo-se sem saída, segue sua vida no exterior”. Ferreira lembra que Jango recebeu muitas cartas durante esse período e costumava respondê-las.
     
    O Instituto João Goulart foi criado em 2004 com a intenção de estimular a pesquisa histórica e a reflexão sobre o processo político brasileiro a partir da memória de Jango. Seu presidente, João Vicente Goulart, filho de Jango, celebra a nova parceria: “Não há melhor lugar do que a Biblioteca Nacional para estabelecermos esse convênio, que prestará um grande serviço para o país”. 
     
    Antes mesmo de ter acesso ao conteúdo, o professor Jorge Ferreira enaltece a importância da divulgação do acervo de Jango. “Naturalmente, documentos inéditos serão encontrados, o que pode enriquecer ainda mais o trabalho de conhecer quem foi o homem e o político, superando as visões que, de um lado, desmereceram e, de outro, glorificaram sua imagem. A questão é compreender o personagem enquanto homem, com suas virtudes e defeitos”.