O compositor Sérgio Ricardo não conseguiu agradar ao público ao cantar “Beto bom de bola” pela primeira vez. As vaias o acompanharam durante toda a apresentação. Irritado, ele se levantou, quebrou o violão que tocava e o arremessou na plateia. A cena marcou o último dia do III Festival da Música Popular Brasileira, em 1967. A agitação lembrava uma final de Copa do Mundo. Entre aplausos, vaias e ovos para todos os lados, nomes como Edu Lobo e Chico Buarque apresentaram suas canções. Quem for aos cinemas a partir de 30 de julho poderá se sentir nas poltronas do Teatro Paramount, palco do festival. O documentário “Uma noite em 67” mostra cenas sem cortes, conversas nos bastidores e depoimentos de cantores e testemunhas do evento, que teve como grande vencedora a canção “Ponteio”, de Edu Lobo e Capinam. Todas as imagens e sons captados pela TV Record foram aprimorados para a exibição na telona.
Entre 1965 e 1972, o Brasil viveu o auge da era dos festivais. Com a repressão da ditadura militar, os universitários aproveitaram o momento para extravasar. “Era uma época de paixões intensas. Ali era possível ver uma manifestação evidente da polarização do país”, afirma Ricardo Calil, um dos diretores do documentário. Nem o rei Roberto Carlos escapou das vaias. Mas o grande alvo do festival de 1967 foi mesmo Sérgio Ricardo.
Nem todo mundo tinha coragem de enfrentar as manifestações do público. “Eu só me recordo de uma agonia tão grande, até maior, logo em seguida, no dia em que fui preso”, conta Gilberto Gil em entrevista mostrada no filme. Dois meses depois de uma passeata contra a guitarra elétrica, vista como símbolo da invasão estrangeira, Gil e Caetano se apresentaram no festival ao som do instrumento. “Apesar das vaias, a plateia gostou do resultado. Foi ali que essa mistura começou a ser aceita”, conta o outro diretor do filme, Renato Terra. Algumas das músicas cantadas pela primeira vez naquela noite são lembradas até hoje, como a segunda colocada, “Domingo no parque”, apresentada por Gil e Os Mutantes, e a que ficou em quarto lugar, “Alegria, alegria”, de Veloso.
Além de cantores, a dupla de diretores entrevistou personagens como o jornalista e jurado Sérgio Cabral e o produtor Solano Ribeiro. O pesquisador Zuza Homem de Melo, autor de A era dos festivais – Uma parábola (Editora 34, 2003), era engenheiro de som das transmissões da Record na época e participou do filme como consultor. Uma das inovações que ele trouxe para a transmissão dos festivais foi o posicionamento de um microfone no teto do teatro, para fazer chegar aos telespectadores a sensação de que estavam no evento. Segundo Terra, essa sensação também pode ser sentida nos cinemas: “Eu sabia da importância que o festival teve, mas nunca tinha sentido de perto. A reação das pessoas me impressionou”.
Palco de vaias e aplausos
Cristina Romanelli