Magia, esoterismo, bolas de cristal? Mesmo presente há milhares de anos nas culturas ocidental e oriental, a Astrologia até hoje é confundida com práticas místicas, como os oráculos. No entanto, todas as interpretações são feitas unicamente a partir do posicionamento dos astros. De olho numa demanda crescente, a Universidade de Brasília (UnB), que ofereceu até 2007 o Curso Básico de Astrologia para Pesquisadores, anuncia a retomada de pesquisas. Já a Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, dará início, em março de 2012, a um curso com duração de três anos. No currículo, disciplinas como História da Ciência, Filosofia, Geometria, Mecânica Celeste, Antropologia e Sociologia.
“Na década de 1980 e em parte dos anos 1990, muitas pessoas que se interessavam por Astrologia não queriam trabalhar com isso. Hoje elas têm mais interesse nos estudos e buscam nível universitário. Os astrólogos estão fazendo mestrado e doutorado. Vem aumentando o número de teses acadêmicas sobre o tema”, conta Celisa Beranger, arquiteta com pós-graduação em Urbanismo que há 25 anos desistiu do cargo de chefia em uma construtora para se dedicar à Astrologia.
O curso da Cândido Mendes, de nível técnico, é uma alternativa para quem quer fazer carreira na Astrologia. “Usamos o currículo referencial, difundido pelos sindicatos de Astrologia, com base teórica bem sólida. Montamos o curso pensando, entre outras coisas, em desfazer a ideia de que astrólogos preveem o futuro”, explica Carlos Hollanda, historiador com mestrado em História Comparada na UFRJ, professor do Departamento de Design da PUC-Rio e da Escola de Belas Artes da UFRJ, além de astrólogo com mais de 20 anos de atuação.
Mas nem só astrólogos buscam conhecimento na área. O curso oferecido até 2007 pelo Núcleo de Estudos de Fenômenos Paranormais (Nefp) da UnB era frequentado por estudiosos de outras disciplinas que queriam aprender mais sobre o tema. “Tinha pesquisadores de vários ramos. Acho que a programação das últimas edições do curso ficou menos científica, o que levou o Conselho de Extensão a não aprovar outras edições. Como o Nefp ficou parado nos últimos tempos, novas atividades estão sendo pensadas para 2012, incluindo pesquisas em Astrologia”, conta Francisco Seabra, um dos responsáveis pela organização do curso.
Assim que deixou o Nefp, Seabra criou sua própria escola, a Uniastrologia. No próximo ano, pretende inaugurar um curso para mestres e doutores que queiram desenvolver pesquisas sobre temas astrológicos.Hollanda, por exemplo, está fazendo doutorado na Escola de Belas Artes da UFRJ sobre Alan Moore, autor britânico de histórias em quadrinhos que trata de temas relacionados à Astrologia em algumas de suas obras.
Outra opção é o curso de extensão oferecido desde 2004 pela instituição Unipaz-Sul, em Porto Alegre. Chamado de Estudos Avançados em Astrologia, oferece formação para astrólogos, mas também é frequentado por profissionais de outras áreas, como médicos e professores, que desejam incorporar a Astrologia a suas carreiras.
Apesar da modesta oferta de cursos, são boas as perspectivas para o ano que vem. Resta reunir coragem para incluir este conhecimento milenar no currículo, uma vez que até profissionais experientes se sentem vítimas de preconceito. “Ainda temos que enfrentar uma série de resistências, porém, não mais como nos anos 1990. Quando propúnhamos algo, vinha sempre uma reação do meio científico, muito violenta e às vezes preconceituosa. As pessoas acham que Astrologia é brincadeira, que inventamos as interpretações, porque elas não têm lógica empírica”, conta Hollanda.
O problema, segundo os astrólogos, é que as críticas partem de pessoas que não dominam o conhecimento. E, realmente, é difícil encontrar alguém de fora do ramo que possa opinar. “Eu não tenho preconceito, mas tenho ignorância. Como este não é meu foco de estudo, prefiro não falar. Mas fico chateado com pesquisadores, colegas da academia, que combatem a Astrologia sem estudá-la”, afirma Amâncio Friaça, físico e astrônomo da USP.
Parte do preconceito existe porque Astrologia não é considerada ciência [ver artigo de Luís Miguel Carolino, página 23], ainda que se baseie em estudos astronômicos, como mecânica celeste. Aparentemente, os astrólogos não se importam. “Para saber Astrologia, basta estudar. Ela se baseia em premissas lógicas. Mas não temos mais a pretensão de que seja vista como ciência; só queremos que o conhecimento seja respeitado. É um conhecimento muito antigo, que tem a mesma idade da Astronomia”, defende Celisa.
Astrologia não é ciência e muito menos profissão. Nos últimos anos foram feitas tentativas de regulamentação na Câmara e no Senado. O assunto foi retirado da pauta, em parte por falta de engajamento da própria comunidade astrológica. Como consolo, desde 1977 os astrólogos constam da Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho. Assim, podem declarar ganhos com esta ocupação no imposto de renda e receber todos os benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Essa luta pelo reconhecimento e a definição do que é a prática deixam alguns acadêmicos e até astrólogos, como Hollanda, em dúvida. “A Astrologia não tem um discurso nos moldes que atribuímos à ciência. Eu comecei a estudá-la justamente para provar que não era válida. Mas aos poucos, de tanto ver que os resultados batiam, comecei a me convencer. Já passei por várias crises e pensei em desistir, justamente pela minha formação. As constelações são uma construção cultural, não existem concretamente, não poderiam ter repercussão na vida cotidiana. O que o planeta Marte tem a ver com o movimento, com o rubor da vergonha, da raiva, da excitação sexual? Eu não sei. Mas quando ele passa em determinado ponto do mapa, a pessoa experimenta situações análogas àquele simbolismo”, diz o historiador.
Se uns entram em crise, outros não têm o menor interesse em descobrir alguma lógica. O que importa são os resultados, principalmente quando o objetivo é ganhar dinheiro. Para isso foi criada a Astrologia financeira, que auxilia investidores a decidir quando e onde devem aplicar seus recursos. Para atrair esse nicho, a Astrobrasil, que tem mais de 600 clientes, entre construtoras, bancos e incorporadoras, acaba de organizar um clube de investimentos. “Se funcionar e der lucro, as pessoas não se preocupam com a teoria científica. No entanto, elas ainda temem o preconceito e mantêm segredo sobre as consultas”, conta Maurício Bernis, sócio-fundador da empresa, no mercado desde 1992.
Outra especialidade é a Astrologia empresarial, que pode sugerir o melhor momento para mudanças na diretoria de uma companhia, o melhor local para a instalação da sede ou checar a compatibilidade de possíveis sócios. Também existem a Astrologia vocacional, para ajudar na escolha da carreira, e a Astrologia médica, utilizada pelo menos desde a Idade Média. “O mapa astrológico indica tendências a certas fragilidades que, se cuidadas, podem evitar problemas. Algumas pessoas têm tendência a problemas de estômago; outras, a inflamações, por exemplo”, explica Celisa.
A especialidade mais procurada, no entanto, é mesmo a Astrologia pessoal. Por meio da data e da hora de nascimento, é calculado o mapa astrológico. Ele representa a posição dos astros naquele momento, tendo como referência o local em que a pessoa nasceu. Com essas informações, seria possível perceber características particulares, potencialidades e pontos sensíveis da pessoa. “O mapa nada determina, porque na mesma hora e no mesmo lugar pode ter nascido outra pessoa. Ele dá indicações, mas a decisão é de cada um. Não é possível dar soluções; nós apenas vemos os caminhos que podem se abrir, os desafios que podem aparecer”, explica a astróloga Cristina Figueiredo, formada em Informática há quase 30 anos.
Antes que o clássico estereótipo da mulher em busca da alma gêmea venha à cabeça, podem ser citados nomes como o do ex-presidente francês François Mitterrand (1916-1996) e do escritor português Fernando Pessoa (1988-1954), que chegou a dar consultas como astrólogo. Na política, a Astrologia foi usada até pelo serviço secreto da Grã-Bretanha durante a Segunda Guerra Mundial. Um relatório de 1942 afirma que Adolf Hitler fora aconselhado por astrólogos desde 1923. O autor do documento, Louis de Wohl, foi recrutado pelo Serviço de Segurança para fazer os mesmos cálculos, e assim descobrir os conselhos dados ao líder alemão. Os papéis do Arquivo Nacional de Kew mostram que Wohl também foi usado para criar falsos horóscopos que induziriam a participação dos Estados Unidos na guerra, e que ele acabou sendo dispensado como “charlatão”.
No Brasil, a política também já foi influenciada pela Astrologia. Um dos casos mais interessantes aconteceu na eleição presidencial indireta de 1985, disputada por Tancredo Neves e Paulo Maluf. O jornalista e astrólogo Getulio Bittencourt teria alertado para o fato de que, no momento da eleição, uma conjunção entre dois planetas levaria a uma provável derrota de Tancredo. Temeroso, o político antecipou o horário das eleições para as dez da manhã. O resultado todo mundo conhece.
Políticos, escritores, donas de casa, historiadores. Independentemente de ser considerada ciência, a Astrologia continua atraindo pessoas de todas as profissões e meios sociais. O horóscopo, difundido a partir dos anos 1930 pelo jornal britânico The Sun, é encontrado hoje em praticamente todos os periódicos nacionais. Com a Internet, a partir dos anos 1990, o boom foi ainda maior. Sites oferecem serviços – muitas vezes gratuitos – e informações em diversos níveis de detalhamento. A televisão também pode ser boa aliada. O canal GNT, por exemplo, exibe desde o início do ano o programa “No Astral”, apresentado por Claudia Lisboa, astróloga há mais de 30 anos.
Para os interessados em se aprofundar no conhecimento, também há grande variedade de livros, incluindo textos da Astrologia antiga traduzidos do latim e do grego. Todo este material pode ser aproveitado por quem não conhece o tema e deseja tomar uma posição, defendendo ou criticando a Astrologia. Aos céticos, está lançado o desafio.
Para todos os gostos
Cristina Romanelli