Paraíso ainda perdido

  • De volta da vibrante experiência em Canudos, Euclides da Cunha pretendia retornar logo às remotas regiões do Brasil. “Não desejo a Europa, o bulevar. Desejo o sertão, a picada malgradada e a vida afanosa e triste de pioneiro”, ele escreveu em 1905. Não demorou. No mesmo ano, embarcou para os confins da Amazônia, chefiando a comissão de reconhecimento do Alto Purus. No conturbado percurso, traçou não só as linhas da fronteira, mas o perfil histórico e social da desconhecida região.

    Mais de 100 anos se passaram. E um outro jornalista resolveu seguir os passos de Euclides. Repórter de O Estado de S. Paulo – para o qual o escritor também enviava seus artigos –, Daniel Piza uniu-se ao fotógrafo Tiago Queiroz e retomou um trecho do trajeto feito no início do século passado. A experiência rendeu uma série de reportagens e o livro Amazônia de Euclides: viagem sem volta a um paraíso perdido (Editora Leya), que está sendo lançado este mês.

    “Desde 2002, no centenário de Os Sertões, pensava em fazer essa viagem. Todo mundo queria ir para Canudos, mas ninguém falava dos textos dele sobre a Amazônia. Eu queria mostrar a parte pouco conhecida de sua obra e do Brasil”, explica Piza.

    Só para viabilizar a empreitada, foram meses pendurado ao telefone. Até que, no ano passado, o jornalista soube de um projeto do Tribunal da Justiça que iria subir o Rio Purus para a documentação de ribeirinhos do Acre. Arrumou as malas e pegou carona no barco, que foi rebatizado de Euclides da Cunha.

    O sonho euclidiano de ver o progresso chegando à região por meio dos então generosos seringais não vingou. O látex perdeu prestígio, as estradas mal chegaram, e a educação e a saúde da população permanecem paradas no tempo. “Avançou muito pouco desde a viagem de Euclides. Encontramos vilas que vivem do extrativismo e do comércio de escambo com outros territórios. As pessoas não têm oportunidades de emprego e estudo; as crianças alfabetizadas só sabem escrever o nome e o atendimento médico é precário”, resume o jornalista.

    A geografia humana, no entanto, mudou um bocado. Algumas populações indígenas voltaram a ocupar áreas que, naquela época, haviam sido tomadas por seringueiros. Hoje, estes quase não existem mais. E após as atividades de caça e pesca, muitos habitantes locais agora ocupam seu tempo nas igrejas evangélicas que têm surgido por ali.

    Assim como a de Euclides, a jornada de Daniel Piza e Tiago Queiroz foi impactante. “A Amazônia não passa indiferente para ninguém”, garante o repórter, só lamentando o fato de que, tanto tempo depois, os anseios do escritor não tenham sido correspondidos. “Se Euclides renascesse um século mais tarde, ficaria espantado ao ver que a região não se desenvolveu”.