Bafo de tigre, entorta-pé, faz-xodó e tira juízo mais parecem efeitos colaterais, mas são apenas alguns dos nomes da cachaça Brasil afora. A bebida demorou mais de quatro séculos para se tornar produto gourmet, e hoje já é tema de cursos de nível superior. E mesmo com algumas garrafas chegando a R$ 500, a popularidade continua, e a tal da cachaça já tem mais de 600 sinônimos, como cabreira, marvada, lágrima de virgem, capote de pobre, urina de santo, e por aí vai.
Para a cidade de Salinas, 631 quilômetros ao norte de Belo Horizonte, a bebida é uma das principais bases econômicas, e em breve será também combustível para o desenvolvimento turístico, socioeconômico e cultural da região. Pelo menos é isso que desejam a Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais e a Prefeitura Municipal de Salinas com a inauguração do Museu da Cachaça, neste primeiro semestre.
“Salinas já é conhecida como capital mundial da cachaça, mas precisa movimentar mais a indústria turística. O museu consolida todo um esquema de organização dedicado ao turismo para promover geração de emprego e renda”, afirma o prefeito José Antônio Prates.
Em uma área de cerca de 13 mil metros quadrados, onde ficava o antigo aeroporto da cidade, o museu apresentará a pinga artesanal como produto tecnológico de alta qualidade. As oito salas de exposição abrigarão temas como sociedade do açúcar, engenhos antigos e atuais, plantação, colheita e moagem da cana, além da história da cachaça em Salinas. O acervo físico inclui um moinho restaurado e, claro, muitas garrafas da dita-cuja.
Apesar de pinga ser sinônimo de goteira em Minas Gerais, os visitantes podem deixar o guarda-chuva em casa e preparar o copo, porque no museu só vai “pingar” das garrafas disponíveis no restaurante e na loja. Mas os turistas não serão os únicos a aproveitar o local. Haverá salas de reunião para produtores de cachaça e espaço na loja para a venda de produtos regionais, além de áreas de interação para os moradores.
O álcool poderia ajudar nessa integração entre as pessoas, mas a equipe do museu achou melhor deixar a cachaça para a exposição e adotar práticas mais conservadoras, que priorizem o desenvolvimento integrado com a sociedade. “Projetamos uma praça para as pessoas se reunirem, fornos para queima de cerâmica, uma biblioteca, uma brinquedoteca. Sem a população local, o museu não tem vida”, diz Jô Vasconcelos, arquiteta do projeto. Para ampliar ainda mais o laço com a população, alunos de escolas públicas produzirão vídeos e imagens que farão parte do acervo do museu.
Segundo Valéria Franco, empreendedora pública da Secretaria de Estado de Cultura, o museu tem um orçamento de mais de R$ 5 milhões, condizente com a importância da bebida, que gera cerca de 240 mil empregos em Minas Gerais. Salinas, que começou a produzir e comercializar aguardente no início do século XX, hoje concentra o maior número de produtores de cachaça de alambique do Brasil e oferece o primeiro curso de nível superior relacionado ao tema. Com a inauguração do museu, as perspectivas para o mercado serão ainda melhores. Os apreciadores agradecem.
Paraíso da pinga
Cristina Romanelli