Pedras no caminho

André Sena

  • A mesquita Al-Aqsa, em Jerusalém.

    Tive a oportunidade de ir a Israel para minhas pesquisas de doutorado em 2007, pois o tema de minha tese envolvia questões relativas ao Estado de Israel e sua história política. Visitei a Universidade de Haifa, uma das mais importantes do Oriente Médio, bem como o belo acervo de sua biblioteca.

    Normalmente, quando nos aproximamos da temática que envolve o conflito entre palestinos e judeus, nos deparamos com teorias conspiratórias que dificultam – quando não inviabilizam – a compreensão da questão. Não se trata de um simples esquema de mocinhos e bandidos; esse conflito compreende uma multiplicidade de fatores e atores que torna a pesquisa histórica um extraordinário desafio. E no meio desse caminho acidentado há muitas pedras e sobressaltos... Uma das minhas pedras surgiu quando, depois de Haifa, visitei a cidade de Jerusalém.

    A cidade é irrespirável, no melhor sentido do termo. Asfixiante porque exagerada em tudo e em todos. O escritor israelense David Shahar, nascido e criado em um dos bairros mais conservadores e religiosos da cidade, Mea Shearim, denuncia a demasia da Cidade Santa. Ele aponta a radicalidade de humores, odores, cores e contornos de seus prédios velhos e novos, de suas autoestradas modernas, mesquitas que respiram os séculos e muros que lamentam o passado e o presente.

    Lá estava eu, um pesquisador que não é nem judeu, nem árabe, nem de confissão religiosa judaica ou islâmica, tampouco cristã, em pleno Monte das Oliveiras. Observava dali a beleza da Jerusalém de Ouro, de um dourado que se concentrava especialmente na Esplanada das Mesquitas. A rotunda de Al-Aqsa, “a mais distante”, como é tratada na tradição islâmica, certamente chama a atenção.

    Em Israel tudo é perto, às vezes perto demais, inclusive dos territórios ocupados pelo Estado desde 1967 e de suas colônias ilegais. Meu guia vinha de uma dessas colônias, a pequena Maale Ma’Amim. Tratava-se de um homem religioso e politicamente conservador. Ao notar que eu olhava fixamente o domo dourado da Mesquita Al-Aqsa – e como o grupo onde me inseria era quase integralmente composto de judeus –, ele se sentiu à vontade para nos chamar atenção, pedindo que não olhássemos tanto para lá: “Este prédio é temporário!”, afirmou, referindo-se a um dos mais importantes símbolos arquitetônicos da civilização islâmica e da identidade nacional palestina. A tarde caía sobre a cidade, e todos os minaretes de Jerusalém de repente começaram a convocar os muçulmanos, ao som dos muezins (responsáveis pelas conclamações), para as orações vespertinas.

    Ao desviarmos nosso olhar de Al-Aqsa, atendendo ao pedido do guia, de minarete em minarete ouvíamos “Allah hu’Akbar” (“Alá é grande”). Ainda hoje me recordo do susto que levamos. Pelos megafones dos minaretes, a cidade afirmava sua insistente vocação islâmica. O constrangimento do guia era visível. Meu desejo de que Jerusalém fosse um lugar de todos, também.

    André Sena é autor da tese “A Controvérsia dos Historiadores. Dinâmicas narrativas e teóricas da Nova Historiografia Israelense” (UERJ, 2009).