Em tempos de comunicação virtual e dinheiro eletrônico, pequenas coisas, como selos postais e moedas, por seu valor reduzido ou pelo pouco uso, podem passar despercebidas. Mas nem sempre foi assim. De certa forma, ainda não é. Os selos e as moedas são importantes fontes históricas que revelam inúmeras facetas da cultura, da vida política e do cotidiano de um país e de um povo. Essas pequenas testemunhas podem proporcionar depoimentos sobre questões de Estado e também refletir a própria imagem que os governantes pretendem perpetuar.
O Brasil foi o terceiro país a emitir selos e o segundo a utilizá-los regularmente em seu serviço de correios, pouco depois da Inglaterra. Sua criação foi resultado de dois decretos, assinados por D. Pedro II em 29 de novembro de 1842, que propunham a reforma dos correios. Em 1º de agosto de 1843, entraram em circulação os selos postais brasileiros. Foram emitidos nos valores de 30, 60 e 90 réis, de acordo com o projeto dos gravadores Carlos Custódio de Azevedo e Quintino José de Faria. Eram os famosos “Olhos de Boi”, assim chamados por causa da semelhança entre os selos e os olhos do animal.
As emissões que surgiram após os “Olhos de Boi” são conhecidas como “Inclinados”, devido ao fato de a impressão dos valores dos selos ser inclinada. Foram lançados em 1844 e, assim como os anteriores, traziam suas cifras na cor branca, com os valores dos portes sobre moldura em rendilhado preto. Foram emitidos nos valores de 10, 30, 60, 90, 180, 300 e 600 réis. Até 1866, enquanto a maioria dos países imprimia a efígie de soberanos ou heróis nacionais em seus selos, o Brasil apresentava somente numerais envoltos por arabescos, indicando o valor de cada um.
Quanto às moedas, foram cunhadas em ouro, prata e bronze. Nas de ouro, há dois tipos de emissão. Uma delas traz de um lado a efígie do imperador com feições jovens e fardamento militar; atrás está seu valor, 10 mil-réis. O outro tipo apresenta D. Pedro mais maduro e também fardado, e no reverso, o seu valor. As moedas de prata e bronze, de maior circulação, seguiram padrão diferenciado. Traziam o brasão do Império e a inscrição “Pedro II, por graça de Deus, Imperador Constitucional e Perpétuo Defensor do Brasil”. Do outro lado, havia seu valor e a inscrição “Com este sinal vencerás”.
Do início do Segundo Reinado (1840) até a década de 1860, os selos não continham imagens que apresentassem um novo modelo de Estado; não representavam uma ruptura com a concepção de nação que vigorara, pelo menos, até o Regresso Conservador –movimento que teve início em 1837, a partir da ascensão de Araújo Lima ao governo, marcado pela progressiva centralização do poder e pelo aumento da autoridade do Estado –, ainda no período regencial. O mesmo acontecia com as moedas, com exceção das de ouro, que pouco circulavam.
A partir dos anos 1850, foi possível perceber uma mudança gradativa. Esse processo reflete a consolidação e o amadurecimento do poder estatal e do imperador. Agora, mais que em fases anteriores, a figura do monarca se torna seu principal símbolo, assim como seus discursos, pautados na centralização do poder e na manutenção da ordem social.
No livro As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos, Lília Moritz Schwarcz destaca que, nesse período, manteve-se a preocupação de difundir a imagem do imperador, que deveria ser maciçamente veiculada. O retrato de D. Pedro II passou a representar, no plano simbólico, um Estado com poder consolidado – daí em diante, deveria reinar soberano, acima dos interesses partidários e das discussões políticas. Expressava as transformações pelas quais o Brasil estava passando: o progresso e a civilização, expressos nas ferrovias, nos telégrafos e no crescimento das atividades bancárias e financeiras.
A partir da década de 1860, a figura de D. Pedro II começou a ser inserida nos selos, passando então a circular por todo o Império e pelos países com os quais o Brasil tinha acordos postais – França, Inglaterra e Bélgica, entre outros. Nessa ocasião, o imperador já havia conquistado um considerável capital político, fazendo com que sua imagem fosse capaz de representar o Estado Imperial e neutralizar as pressões que eram feitas contra ele: críticas ao seu excessivo poder e à baixa representatividade do sistema político.
Quanto às moedas, o processo foi semelhante. Em 1851, as de ouro tinham a efígie imperial. Nelas, o soberano já se apresenta como elemento único da imagem, sem símbolos de majestade e poder. O numerário cunhado nas outras moedas, a partir de 1867 e 1868, incorporou a figura do imperador seguindo, assim como nos selos, o padrão do Monarca Cidadão, em que ele é apresentado sem os signos do poder, em um padrão comum à moda do período, com fraque e gravata. Inserir essa imagem em veículos de grande circulação levaria os ideais de cultura, civilização e modernidade desse Monarca Cidadão aos diversos lugares do Império e até mesmo fora dele.
A vinculação de D. Pedro ao saber e ao conhecimento faria de sua imagem um símbolo da modernidade e do progresso. Ao mesmo tempo, a circulação da efígie imperial tinha a função de reforçar a “missão civilizadora” do Império do Brasil perante a América. Nos últimos 18 anos do governo de D. Pedro II, o cuidado com a imagem do imperador pretendia reforçar essa ideia de civilização e usá-la como um anteparo para as críticas contra a monarquia. Esses ataques partiam de grupos republicanos e dos setores políticos que defendiam mudanças no sistema político do Império.
Nos selos postais houve processo análogo. Em 1877, surgiram emissões com a efígie de um imperador envelhecido e dotado de uma imponente barba branca, imagem reproduzida de uma fotografia tirada por D. Pedro na Exposição Universal da Filadélfia (1876). Em 1878, foi a vez do selo denominado auriverde, que inseriu tons de verde e amarelo em sua impressão. Entre 1881 e 1884, foram emitidas várias séries de selos pela Casa da Moeda que tinham o “Monarca Cidadão” como tema central.
Dos anos 1870 até a queda da monarquia, vivia-se uma fase de grandes debates em torno da República e de reformas políticas. Era necessário um equilíbrio entre a imagem do soberano e sua força e autoridade. Por isso, o retrato de D. Pedro II e todo o poder simbólico nele contido continuavam a circular pelo Império do Brasil em seus selos postais e moedas.
Em posição destacada nos envelopes, nas mãos e nos bolsos dos brasileiros, lá estava o imperador. Seguia inserido no cotidiano do país, como um arauto de notícias solenes, de grandes negócios e de pequenas compras. Assim chegamos aos anos 1880, marcados pelo acirramento da crise que acabou por determinar a queda da monarquia no Brasil. O golpe de 15 de novembro de 1889 tirou de circulação os selos e as moedas do Império e, com eles, a imagem de D. Pedro II. Novas ilustrações passaram a ser produzidas para a República que nascia.
Essas reflexões mostram que a história de um país é um esforço que transcende o trabalho com as tradicionais fontes documentais. Pode-se chegar às grandes questões que movimentam suas dinâmicas de funcionamento e transformação usando as fontes tradicionais e as pequenas coisas, os objetos simples do cotidiano de uma sociedade.
Luciano Mendes Cabral é professor de História do Colégio Pedro II, do Centro Universitário Geraldo di Biasi e autor de Selos, moedas e poder: O Estado Imperial brasileiro e seus símbolos (Apicuri, 2009).
Saiba Mais - Bibliografia
ALMEIDA, Cícero Antonio F. de; VASQUEZ, Pedro Karp. Selos postais do Brasil. São Paulo: Metalivros, 2003.
GALLAS, Alfredo O. G.; DISPERATTI, Fernanda. As moedas contam a História do Brasil. São Paulo: Magma, 2007.
MAUAD, Ana Maria. “A imagem e autoimagem do Segundo Reinado”. In: ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org.). História da vida privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
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Luciano Mendes Cabral