Um copo d’água começa a vibrar. Sinal de que algo grande vem chegando, a passos largos, e em velocidade cada vez maior. Desta vez não é um Tiranossauro Rex, como na trilogia “Jurassic Park”, de Steven Spielberg, mas vários répteis sul-americanos. A lista de pouco mais de 20 dinossauros brasileiros vai crescer ainda este ano, com duas novas espécies descobertas no Rio Grande do Sul. Até estas descobertas serem publicadas como artigos científicos, não é possível dar detalhes. Mas este é apenas o começo. A paleontologia vem ganhando espaço no Brasil, e a expectativa é que os estudos se intensifiquem. E muitos dinossauros apareçam por aí.
Enquanto as novidades não chegam e a Ciência não consegue trazer esses bichos de volta à vida, é possível empreender uma verdadeira caça ao tesouro. Para começar a brincadeira, uma pista: preste atenção nas partidas de bocha, principalmente as disputadas no Triângulo Mineiro. Geralmente são usadas bolas de resina ou madeira, mas às vezes os jogadores resolvem improvisar. Quando optarem por uma pedra branca, perfeitamente arredondada, encontrada no corte de uma rocha, desconfie. Em Uberaba, há cerca de 60 anos, um grupo de paleontólogos que escavava na região ficou sabendo de uma bola improvisada, usada por operários que trabalhavam em uma ferrovia. Resolveram olhar de perto e... Bingo! Era um ovo fóssil de um enorme dinossauro herbívoro de 70 milhões de anos. A peça está no Museu de Ciências da Terra, do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), no Rio de Janeiro, onde há outros três ovos. Mas ainda há muito para se descobrir.
Um passeio pelos arredores do Parque do Ibirapuera, em plena São Paulo, por exemplo, pode render boas surpresas. Na calçada de uma rua próxima ao parque, o paleontólogo Marcelo Adorna Fernandes, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), encontrou uma pegada de cerca de três centímetros, de um pequeno dinossauro carnívoro. O calçamento foi feito com pedras da região de Araraquara, também no estado de São Paulo, conhecida pela grande concentração de pegadas pré-históricas. As pedras foram usadas em outras construções, como o Jardim Zoológico de São Paulo e a catedral da cidade de São Carlos, onde outra pegada foi encontrada, no alto de um dos pilares.
Quem quiser continuar essa busca, pode fazer uma visita a Araraquara. Basta um passeio rápido, observando as calçadas, para encontrar tesouros de 140 milhões de anos. Está tudo ali, bem à vista. A maioria das marcas tem poucos centímetros, mas a concentração é tão grande que em alguns lugares foram identificadas diversas espécies de dinossauros. O problema é que muito material foi perdido por desinformação. “Aqui em São Carlos, temos a maior coleção de pegadas do país. São mais de 400 lajes, mas isso não é nem metade do material original, que saiu de pedreiras da região. Muito foi destruído nesse processo. E, na cidade, alguns moradores chegaram a cobrir as depressões com cimento, sem saber do que se tratava. Até hoje há quem diga que nós fizemos esses buracos”, lamenta Fernandes.
Apesar das perdas, Araraquara continua sendo um bom local para os caçadores de dinossauros. Só não supera a região do Rio do Peixe, no interior da Paraíba, onde fica a maior concentração de pegadas a céu aberto do país. Já foram identificadas marcas de cerca de 400 desses répteis pré-históricos. No município de Sousa está situado o Monumento Natural Vale dos Dinossauros, um sítio paleontológico que recebe visitantes em busca desses rastros milenares, descobertos ali ainda na década de 1920.
Com todas essas pistas, fica fácil pensar que os donos das pegadas e os fósseis que aparecem Brasil adentro sejam de tipos como o Tiranossauro Rex ou o Velociraptor, famosos no cinema. No entanto, essas espécies viveram no Hemisfério Norte. Aqui na América do Sul havia alguns de seus parentes, pois quando os primeiros dinossauros surgiram, há cerca de 230 milhões de anos, a Terra era formada por um único continente, chamado Pangeia.
Há mais de 20 espécies reconhecidas no Brasil, do carnívoro Irritator ao pescoçudo Trigonossauro. O número parece pequeno diante das mais de 100 espécies desenterradas na vizinha Argentina e das cerca de 1.000 encontradas pelo mundo. “O primeiro fóssil brasileiro foi encontrado na Chapada dos Guimarães, no final do século XIX. Mas boa parte das escavações foram feitasprincipalmente a partir de 1947, por Llewellyn Ivor Price, do Departamento Nacional de Produção Mineral”, conta Diógenes de Almeida Campos, paleontólogo e diretor do Museu de Ciências da Terra.
Price coletou a maior parte do acervo de fósseis do museu. A maioria dos achados dele, no entanto, só foi estudada recentemente. Em geral, as pesquisas no Brasil só ganharam força a partir dos anos 1990. “Nosso país é enorme e tem muito potencial para novos achados. Com investimento, podem ser realizadas novas expedições em Mato Grosso, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e em áreas ainda pouco exploradas, como o Amazonas. Outros países usam os dinossauros como catalisadores para motivar o interesse pela Ciência. Temos que investir nisso”, afirma Alexander Kellner, paleontólogo do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Potencial realmente não falta. Perto de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, foi encontrado um dos primeiros dinossauros de que se tem notícia, o carnívoro Estauricossauro. Ele viveu há cerca de 225 milhões de anos, no Triássico, período geológico em que surgiram esses répteis. Nessa época também viveram o Saturnália, o Unaissauro e o Guaibassauro. Todos gaúchos, pois as rochas com os exemplares mais antigos dos bichos estão no Sul do planeta. Os mais conhecidos são justamente esses brasileiros e alguns exemplares argentinos.
Ainda há muito a ser explorado na região, inclusive outros tipos de animais que conviveram com os dinossauros. Parte dessa fauna está sendo divulgada pelo projeto “O Rio Grande do Sul no Tempo dos Dinossauros”, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foram selecionadas 20 espécies, que ganharam uma versão em três dimensões com o uso do mesmo tipo de tecnologia de “Jurassic Park”. “Há muitas imagens de divulgação de dinossauros do exterior, mas não do Brasil. Queremos que as pessoas conheçam esses animais. Fizemos um site – www.ufrgs.br/geociencias/paleo/projeto/– que tem até vídeos mostrando o ambiente em que viviam. Nossa ideia era também publicar um livro e fazer um documentário, mas essa parte do projeto não saiu. Vamos tentar dar um jeito”, afirma Cesar Schultz, paleontólogo da UFRGS e coordenador do projeto.
O trabalho foi realizado por pesquisadores das áreas de Medicina, Engenharia, Ciência da Computação, Artes Plásticas e, claro, Paleontologia. “Estudamos a biomecânica, ou seja, como andavam, mastigavam, e também aspectos da fisiologia, para reconstituí-los o mais próximo possível da realidade. Para isso, tivemos que pensar na cor dos olhos, da pele, das unhas, nas texturas, na posição das patas, no formato das pupilas”, explica Schultz.
O projeto já foi finalizado, mas há outra tarefa a ser cumprida pelos paleontólogos: os fósseis coletados nos últimos cinco anos ainda não foram estudados porque o volume superava a capacidade da equipe. Eles pretendem, a partir de 2012, identificar pelo menos quatro novos dinossauros. “O estudo sobre um novo dinossauro vai ser publicado ainda este ano. Temos dentes, partes do crânio, esqueleto. Ele foi encontrado no município de Agudo”, conta o paleontólogo da UFRGS.
Agudo faz parte da Quarta Colônia, região central do estado, que também inclui Dona Francisca, Faxinal do Soturno, Ivorá, Nova Palma, Pinhal Grande, Silveira Martins, São João do Polêsine e Restinga Seca. Por terem grande potencial paleontológico, os nove municípios se uniram nos anos 1990 para criar ações de conservação do patrimônio e desenvolver a pesquisa científica. Um exemplo é a Rota Paleontológica Centro, ou Paleorrota, onde desde 2005 estão demarcadas as áreas de ocorrência de fósseis, evitando que sejam cobertas pelo crescimento das cidades. O grupo também está elaborando um projeto de geoparque, que futuramente será enviado à Unesco.
Um dos projetos que mais chamam a atenção é a construção do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica (Cappa), que vai oferecer aos pesquisadores alojamento, laboratórios e uma equipe de apoio. “Como as pesquisas são esporádicas, os governos locais acabam não se envolvendo. O prédio ainda não foi finalizado, mas já o estamos utilizando para eventos e exposições, e em breve teremos também unidades museológicas. Todo o acervo que for encontrado na região será tombado e ficará sob a guarda do Cappa. Já perdemos muito material por falta de acompanhamento de obras por paleontólogos”, explica José Itaqui, secretário executivo do Consórcio de Desenvolvimento Sustentável da Quarta Colônia.
Tudo parece ir bem no Rio Grande do Sul, e outros estados também têm mostrado avanços. No início deste ano, a equipe do Museu Nacional publicou um estudo sobre o Oxalaia quilombensis, o maior dinossauro do país, encontrado no Maranhão. O carnívoro de 12 a 14 metros viveu há cerca de 95 milhões de anos, no período Cretáceo. No estado já fora encontrado um fóssil do Amazonssauro, que teria vivido há 110 milhões de anos.
Outras regiões importantes são a Chapada do Araripe, no sul do Ceará, e o Triângulo Mineiro. Nos dois estados foram descritas pelo menos oito espécies, como o cearense Santanaraptor, carnívoro que corria com duas patas. Mesmo com apenas um metro de altura, é provável que inspirasse medo, assim como seu parente famoso, o Tiranossauro Rex. “O fóssil do Santanaraptor é único. Tem as chamadas partes duras, como ossos, mas também tecido muscular e até vasos sanguíneos. Difícil encontrarem no mundo outro fóssil de dinossauro com esse estado de conservação”, conta Alexander Kellner.
A réplica do Santanaraptor pode ser vista no Museu Nacional, bem ao lado do crânio de um tiranossauro. A peça americana foi comprada devido à procura do público, que, em breve, pode ter uma nova surpresa. A equipe do museu pensa em adquirir a réplica de um esqueleto completo do dinossauro mais famoso do cinema. Mas antes será preciso conseguir dinheiro e espaço para instalar o bicho. “Essa casa era uma moradia, não foi feita para ser museu. Nós prejudicamos o prédio, de importância histórica, e ele nos prejudica. No Brasil, não temos sequer um museu de História Natural com boas instalações”, denuncia o paleontólogo do museu.
O país ainda engatinha em investimentos com esse fim. No ano passado, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) lançaram um edital voltado para a paleontologia. Foi a primeira vez que um só projeto conseguiu receber R$150 mil. “Este foi o máximo até hoje. Enquanto isso, projetos na China recebem frequentemente um milhão de dólares”, compara Kellner.
A vida também está difícil para os restauradores especializados em fósseis. Esse exemplar de profissional é bem mais raro que os dinossauros. Este ano, pelo menos os pesquisadores da UFRJ poderão tirar esse peso das costas. Foram contratados cinco restauradores, que ajudarão a acelerar o ritmo dos estudos na universidade e no Museu Nacional. Eles preveem um disparo nas pesquisas e pelo menos uma nova espécie de dinossauro para apresentar em breve.
Outros centros de estudo seguem pelo mesmo caminho e já pensam em ter seus próprios preparadores de fósseis. É bom mesmo que futuros paleontólogos se preparem, pois essa caça ao tesouro vai ficar cada vez mais concorrida.
Pisando em ovos
Cristina Romanelli