Plantão da monarquia

Iuri Azevedo Lapa e Silva

  • São incontáveis os casos de intrigas e traições que mostram como era delicada a transição de um monarca para outro. Não menos difícil era a tarefa de preparar um futuro rei. Por isso as famílias reais sempre trataram das sucessões ao trono com o máximo cuidado. Aquele que estivesse na linha de sucessão de determinada dinastia precisava estar pronto para governar. Sua instrução tinha que ser feita com esmero. Dados sobre a educação dos últimos herdeiros do Brasil imperial indicam que o envolvimento dos príncipes com a vida política e doméstica era um dos principais objetivos desse processo de preparação. Um exemplo desse comprometimento está no Correio Mirim, um periódico que pode ser encontrado na Divisão de Manuscritos da Biblioteca Nacional.

    O jornalzinho, que tinha uma estrutura amadora e só circulava entre os membros da família real, parece ter sido apenas um dos que foram redigidos, ainda que parcialmente, pelos príncipes imperiais. Os outros de que se tem notícia são o Correio Imperial, o Correio Assu, O S. Cristovão e O Larangeiras, cujos exemplares fazem parte dos acervos do Museu Imperial, do Arquivo Nacional, da Biblioteca Nacional e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

    O provável “redator-chefe” do Correio Miriam era o mais velho dos três filhos da princesa Isabel (1846-1921), D. Pedro de Alcântara (1875-1945), que tinha apenas 12 anos. Ele assina o editorial do primeiro exemplar do periódico,que foi lançado no dia 1º de janeiro de 1888, e adverte seus leitores sobre os limites e as possibilidades do veículo: “O Correio Mirim não tem nem o tempo, nem as habilitações necessárias para competir com seu colega e amigo Correio Imperial. Oferece entretanto a seus assinantes o que de melhor lhes pode dar por ocasião do ano bom: seu coração e algum serviço que lhes possa ser útil”. De periodicidade semanal, o jornal aparentemente foi impresso pelo próprio príncipe. Suas páginas fazem menção a uma certa “Typ. Mirim”, tipografia que o jovem provavelmente ganhou de presente de algum parente ou amigo de seus pais pouco tempo antes.

    Os quatro exemplares do Correio Mirim que fazem parte do acervo da Biblioteca Nacional são de janeiro e fevereiro de 1888. Um deles traz notícias sobre a recente condição de pai de um pombo-correio, que talvez fosse responsável pela entrega do jornalzinho: “Infelizmente o pombo viajante não pode agora continuar suas excursões. Os graves deveres da paternidade retem-n’o em casa ao lado do implume filhinho, que a toda hora abre o bico pedindo comida e caricias”. E há mais de uma nota a respeito das apresentações domésticas de teatro de bonecos “Guignol”, vindos especialmente da Bolívia, acompanhados de uma “excelente caixa de musica [que] suppriu a orchestra”. Em geral, as notícias publicadas no periódico eram muito curtas – apenas um parágrafo –, e boa parte delas se referia aos compromissos sociais de seu público-alvo, ou seja, a família real: “Honraram o espetáculo com a sua presença Suas Altezas Imperiaes”.

    O exemplar que mais chama a atenção, no entanto, destaca assuntos aparentemente alheios ao universo infantil. Lançado no dia 2 de fevereiro de 1888, o número 6 do Correio Mirim irradia um sentimento de esperança e otimismo: “Petrópolis vai encher-se de galas para saudar o venturoso dia da emancipação de seus escravos”. Tratava-se da “campanha” empreendida pela família imperial, encabeçada pela princesa Isabel – então regente na ausência de seu pai, D. Pedro II (1825-1891) –, que visava arrecadar fundos para a compra das alforrias dos escravos de Petrópolis. A operação consistia em visitas às casas das famílias mais abastadas que estavam passando o verão na serra, e que eram convencidas a aderir à iniciativa.

    O movimento teve sucesso, e por isso foram realizadas cerimônias solenes para a entrega de mais de cem cartas de alforria. Foi uma espécie de prelúdio do 13 de maio que se aproximava. Entusiasmado, Pedro de Alcântara se deleitava com a possibilidade de emancipação dos cativos e deixava de lado qualquer pretensa objetividade jornalística: “Levante-se aqui para todos o sol da liberdade, nem se misture mais um suspiro de cativo às brisas embalsamadas da risonha cidade de Pedro. Bem haja quem ergueu este lábaro divino, e possa o bom exemplo frutificar na Terra de Santa Cruz!”.

    Como sabemos, os escravos de todo o Brasil foram libertados e a monarquia nos trópicos chegou ao fim. Por causa disso, o precoce jornalista acabou sendo afastado de sua terra natal e só voltou quando já era adulto. O jovem cronista da vida imperial viria a entender que acabar com certas injustiças do mundo não estava ao simples alcance das mãos e da voz. A escravidão acabaria ficando ligada para sempre à presença lusa na nossa colonização, algo que nem o gesto benevolente da princesa Isabel conseguiu apagar.