Tem Patativa colhendo algodão, desafiando repentista, cozinhando com Dona Belinha, vendendo livro na feira do Crato, recitando poesia em festival, cantando com Fagner, lutando pelas Diretas Já. Por mais de vinte anos, o cineasta Rosemberg Cariry registrou cada passo do grande poeta e cantador cearense. O resultado dessas andanças pode ser visto agora no documentário “Patativa do Assaré – Ave Poesia”, que estréia este mês nos cinemas.
Amigos e compadres, Rosemberg e Patativa se conheceram no início da década de 1960, nas rodas de música e poesia armadas no Bar Tupy, propriedade do avô do cineasta. “Gostava de ouvi-lo recitar para os feirantes. E como ele sabia desse meu interesse por literatura e poesia, fizemos amizade. Muitas vezes, chamado pelo meu pai, ele ia almoçar na minha casa e lá ficava contando ‘causos’. Foi uma escola importante para mim”, lembra Rosemberg. Nessa época, Patativa do Assaré (1909-2002), pouco conhecido como Antônio Gonçalves da Silva, já tinha levado suas trovas para além do sertão do Cariri. Compositor, cantador e repentista, improvisava seus versos em livros e apresentações pelas cidades do Ceará e em capitais como o Rio de Janeiro.
Nos anos 1970, sua presença em festivais de teatro, música e poesia estimularia os artistas de vanguarda a olhar para a riqueza de suas criações. Por sua vez, a convivência com a juventude fazia o poeta repensar os temas de seus cantos sertanejos. “Havia uma grande troca de idéias entre Patativa e nós, os jovens dessa geração, o que chegou mesmo a alargar a visão que ele tinha do mundo. Nesse período, sua produção poética é das mais vivas e reflete crítica mordaz à ditadura”, assinala Rosemberg. Muito popular entre os estudantes, operários e camponeses da região nordestina, Patativa também participava ativamente do movimento pelas Diretas Já, fazendo shows memoráveis e emplacando um dos hinos da democratização do país, “A canção do pinto”.
Foi exatamente nessa época que o jovem Rosemberg saiu com sua câmera Super-8 para registrar o amigo. As primeiras imagens foram feitas ainda na Serra de Santana, onde Patativa do Assaré tinha um pequeno roçado. “Eu o filmava de forma muito despreocupada, embora soubesse que esses registros seriam importantes para a história. Quem estava na frente da câmera não era o famoso Patativa, mas o amigo que eu admirava e vi envelhecer. No filme, o poeta é tratado com muita emoção, porque ele era assim, cheio de sentimentos. Cada encontro nosso era também a sagração da amizade”, completa Rosemberg.
Poeta do sertão
Juliana Barreto Farias