- “Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada”. O parágrafo 2º do artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8095/90) não costuma constar nos discursos da onda crescente a favor da redução da maioridade penal para 16 anos. Nem poderia: a legislação que garante direitos a crianças e adolescentes é constantemente vilipendiada no país, e só mesmo ignorando-a é possível enxergar no aumento da violência a saída para a violência.Essa discussão serve de pano de fundo no primeiro longa-metragem da cineasta Caru Alves de Souza, De menor (2013), recém-lançado em DVD. A inspiração para o roteiro foi a experiência de Michaela Alves de Souza, ex-defensora pública e prima de Caru. “À época em que ela atuou no Fórum de Santos (SP), conversamos muito sobre os casos em que trabalhava”, explica a diretora. O roteiro completou-se com base em cinco anos de pesquisa, resultando em uma história verossímil: apesar dos esforços da defensora, todos os adolescentes infratores apresentados pelo drama acabam internados na Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA) do Estado de São Paulo. Na vida real, a internação também é a opção mais utilizada pelo Poder Judiciário, ao contrário do que estabelece o ECA. O longa foi eleito Melhor Filme de Ficção no Festival do Rio de 2013 (prêmio dividido com O lobo atrás da porta, de Fernando Coimbra).Embora não tenha nascido com esse propósito, o filme enquadra-se na acalorada discussão atual sobre reduzir ou não a maioridade penal no Brasil. A diretora se posiciona contra a proposta de redução.Os dados sobre a internação de menores no Brasil são insuficientes e desconexos. Um dos levantamentos mais recentes disponíveis, realizado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, teve que se basear em alguns dados de 2007. E aponta que, dos 21.265.930 de brasileiros entre 12 e 21 anos (11,14% da população), 0,51% cometeram alguma infração. Seria um dado positivo – relativamente, são poucos os jovens para com os quais o Estado deveria se preocupar – não fosse a quantidade deles que cumprem medidas de restrição e privação da liberdade: 66,59% dos adolescentes e jovens apreendidos são encaminhados à internação, medida que deveria ser exceção, e não regra.De socioeducativas as internações não têm nada. “As unidades do Rio de Janeiro e do resto do país mais se assemelham à prisão do que propriamente a um sistema socioeducativo. Em termos estruturais são superlotadas e sem recursos”, diagnostica Maíra Fernandes, que conhece bem os dois lados da moeda: é presidente do Conselho Penitenciário do Rio de Janeiro e ativista contra a redução da maioridade penal. Ela aponta a falência do modelo prisional adulto e garante: “Colocar um jovem ali, com um período inteiro de formação pela frente, só irá torná-lo pior”. Em De menor, o destino do protagonista não é diferente do que vive a maioria dos meninos e das meninas apreendidos no Brasil.
Prisão não tem idade
Angélica Fontella