Quadrinhos - Não está no gibi

Gonçalo Junior

  • Faz tempo que revista em quadrinhos é chamada de gibi no Brasil. A explicação mais comum que se dá é simples: o termo veio da revista Gibi Trissemanal, lançada em 21 de abril de 1939 por Roberto Marinho (1904-2003) – sim, o mesmo do jornal O Globo e da Rede Globo. Teria feito tanto sucesso que virou sinônimo desse gênero de revista. Mas não foi só o êxito da publicação que ajudou a popularizar o termo. Inicialmente, gibi tinha conotação negativa; dizia-se que induzia seus leitores ao crime, entre outros malefícios.

    Ao pé da letra, o título “Gibi” significava “negrinho” – tanto que no alto da capa da revista vinha sempre um menino negro com a mão levantada pronunciando a palavra Pelé – teria nascido dali o apelido do maior jogador de futebol de todos os tempos? Mas esse signi-ficado, na época, era pouco lembrado.
    A cruzada contra os quadrinhos começou no final dos anos 1930 na Itália, quando o líder fascista Benito Mussolini baniu a publicação importada dos Estados Unidos. Os qua-drinhos, diziam,  “desnacionalizavam” as crianças e incutiam nelas “uma cultura alienígena”.

    Essa visão foi importada para o Brasil por padres que começaram a escrever artigos contra os quadrinhos. Uma equipe de educadores do Ministério da Educação e Cultura dizia também que essas histórias prejudicavam o rendimento escolar. Pouco depois, o psiquiatra americano Fredric Wertham alardeou que os quadrinhos de crime e terror induziam os leito-res à violação da lei, à prostituição e ao homossexualismo.

    Mesmo em meio a tanta polêmica, a revista continuava vendendo. Tanto que, em abril de 1940, o Gibi Trissemanal foi transformado em Gibi Mensal. Logo surgiram álbuns especiais com histórias completas e a Coleção Gibi.

    Depois da Segunda Guerra Mundial, o confronto entre editores de jornais colocou os quadrinhos como alvo preferencial dos inimigos de Marinho. Entre 1948 e 1955, Orlando Dantas , do Diário de Notícias, Carlos Lacerda, da Tribuna da Imprensa, e Samuel Wainer, de Última Hora, resolveram jogar pesado. Fizeram uma intensa campanha para responsabi-lizar o dono de O Globo pelo aumento da criminalidade infanto-juvenil. Em manchete do dia 25 de julho de 1948, o Diário alardeava: “Monstros, Fantasmas, Crimes e Cenas picantes para ‘divertir’ as crianças”.

    Até 1964, muitos projetos de lei de censura aos gibis tramitaram no Congresso Na-cional. O tempo passou, o mercado de quadrinhos entrou em declínio e a conotação pejorati-va dessas publicações acabou se afastando da palavra gibi. Foi justamente na década de 1960 que o gibi virou sinônimo apenas de uma simples e divertida revista para todas as ida-des. E até hoje é assim.

    Gonçalo Junior é autor do livro A Guerra dos Gibis – Roberto Marinho, Adolfo Aizen e a disputa pelo mercado editorial brasileiro entre 1933 e 1964 (Companhia das Letras, 2004).