Quadrinhos - Pela igualdade

Waldomiro Vergueiro

  • Mônica, a menina dentuça mais famosa dos quadrinhos, descobre, ao acordar, que todas as demais pessoas do mundo estão com a pele azulada. Quando tenta entender o que aconteceu, é hostilizada pelas pessoas, até perceber que está em outra dimensão. Depois de várias peripécias, encontra uma maneira de voltar à sua própria realidade, onde tudo continua como antes. Esta é a história “Os Azuis”, de Mauricio de Sousa, publicada originalmente na década de 1970 e republicada no Almanaque da Mônica nº 15, de 1989.

    Além de curiosa, a pequena narrativa se refere basicamente à questão da diferença, levanta questões como a discriminação, o racismo e a demasiada importância que se dá às aparências. “Os azuis” pode servir para se pensar a constituição étnica do povo brasileiro. Pode lembrar ainda a política do apartheid sul-africano, o antagonismo entre brancos e negros no sul dos Estados Unidos, as guerras entre tribos africanas e o colonialismo europeu. Nesses conflitos, o que era diferente era considerado inferior ou ruim. As guerras entre tribos africanas, por exemplo, foram muitas vezes baseadas em questões étnicas.

    Considerando essa e outras tramas inventadas por Mauricio de Sousa, surpreende o fato de que haja críticas que consideram seus personagens deploráveis, com pouca complexidade e sem personalidade. No centro da polêmica está o argumento de que a Mônica usa a violência para solucionar os conflitos e, por isso, é uma má influência. Mas, afinal, que efeitos pode ter a leitura de quadrinhos? Uma personagem que tem a violência física como uma de suas marcas influencia os leitores apenas de modo negativo? Ou estes saberão contextualizar esse comportamento, valorizando outras mensagens, como a amizade e o respeito às diferenças?

    É fácil subestimar a inteligência das crianças quando se analisa o efeito de produções da indústria de comunicação de massa sobre elas. Normalmente, os adultos tendem a ver as crianças como figuras facilmente influenciáveis. Os primeiros artigos sobre quadrinhos também tinham tom de reprovação. A partir da década de 1940, houve campanhas contra essas publicações ao redor do mundo. Nos EUA, o psiquiatra Fredric Wertham liderou uma delas e escreveu o livro A sedução dos inocentes, no qual relacionava as HQs à delinquência juvenil. Foi criada uma Comissão de Investigação no Senado norte-americano, e os editores criaram um código que definia o que as revistas podiam publicar.

    Para o leitor, no entanto, Mônica é apenas uma criança, assim como ele. E que, mesmo se comportando agressivamente com seus amigos, não deixa de ser apreciada por eles. O público infantil de Mauricio de Sousa compreende que os desentendimentos são normais e não representam o fim do diálogo, da camaradagem, das brincadeiras e tudo o mais que envolve esse período da vida.

    Waldomiro Vergueiro é professor da USP e coautor de Histórias em quadrinhos na educação: da rejeição à prática (Contexto, 2009).


    Saiba Mais - Bibliografia

    GONÇALO JÚNIOR. A guerra dos gibis. São Paulo: Cia. das Letras, 2005.
    MOYA, Álvaro de. Shazam. 3.ed. São Paulo: Perspectiva, 1977.
    RAMOS, Paulo. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2009.