Quadrinhos - Super-herói é coisa nossa

Bruno Alves

  • Roberto Sales era um valoroso tenente da Força Aérea Brasileira e foi escolhido pelo governo militar para ser o primeiro astronauta do país. Em sua primeira missão, ele decolou da Barreira do Inferno, base de lançamentos que fica no Rio Grande do Norte, a bordo do foguete Santos Dumont I. No espaço, recebeu um pedido de socorro telepático do alienígena Lid, do planeta Saturno, à beira da morte em seu disco voador. Em agradecimento pela ajuda, Lid ofereceu ao tenente o Anel de Energia Negra, capaz de torná-lo um homem dotado de grandes poderes. Ao retornar à Terra, o militar não contou aos seus superiores o que tinha acontecido, e passou a agir secretamente como o Raio Negro.

    Fruto da imaginação do roteirista e desenhista paulista Gedeone Malagola (1924-2008), esse personagem foi o primeiro de muitos super-heróis criados entre os anos 1950 e 1970 por artistas brasileiros – principalmente do eixo Rio-São Paulo. Todos notadamente inspirados num gênero que havia dado o ar de sua graça nos Estados Unidos, pouco antes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
    Quando as aventuras do Superman foram finalmente publicadas em 1938, seus autores, os norte-americanos Jerry Siegel e Joe Shuster, jamais poderiam imaginar que estavam inaugurando um filão. Homens e mulheres de uniformes coloridos, que combatiam os malfeitores valendo-se de habilidades extraordinárias, acabaram se tornando uma coqueluche nas páginas de revistas em quadrinhos de expressiva tiragem e chegaram a enfrentar os países do Eixo – Alemanha, Itália e Japão – em suas aventuras.

    O destaque comercial dos super-heróis made in USA acabou levando os editores brasileiros a publicar suas aventuras já no começo dos anos 1940. A partir de 1959, heróis tupiniquins, como Capitão 7, Flama, Escorpião, Homem-Lua, Golden Guitar, Bola de Fogo, Mylar, Pabeyma e Fikom, entre outros, começaram a ganhar as páginas de um sem-número de publicações. Mas todos eles tiveram uma vida editorial bastante curta. Suas aventuras não tinham como competir nas bancas com as grandes sagas das editoras norte-americanas Marvel e DC Comics, que monopolizavam o mercado. Por conta disso, as revistas dos personagens brasileiros acabavam sendo canceladas com facilidade.

    Apesar das dificuldades, a produção era intensa. E como declarou Malagola, referindo-se à origem do seu Raio Negro, ela era muitas vezes fruto de demandas editoriais. “Naquela época, os super-heróis estavam renascendo, e as editoras, que não perdem a chance, me encomendaram um. Apresentei o Homem-Lua, e por não ser super, ficou para complementar a revista. Mandaram-me olhar o Green Lantern (Lanterna Verde) e, às pressas, surgiu o Raio Negro”.

    No original da DC Comics, o Lanterna Verde – que estreia em filme este ano – era Hal Jordan, um piloto de testes de uma empresa aeronáutica que recebe de um alienígena à beira da morte um anel de energia verde. Com conceitos tão idênticos, a única diferença entre os dois personagens estava no uniforme. Mesmo assim, a indumentária de Raio Negro é quase igual à do super-herói Ciclope, integrante do grupo de mutantes X-Men, publicado pela Marvel Comics – embora o visor do personagem brasileiro tivesse sido inspirado, segundo Malagola, nos óculos de um vilão da série Terry e os Piratas, de Milton Caniff.
    A revista do herói de Gedeone teve quinze edições regulares e algumas especiais lançadas pela Gráfica Editora Penteado (GEP) entre 1965 e 1968, quase todas com histórias escritas e desenhadas pelo autor. As tramas eram simples, típicas de um período em que mocinhos e vilões eram mais inocentes, sem a complexidade dos quadrinhos de hoje e, claro, nem de longe falavam da ditadura militar que o país vivia naquele momento. Mesmo tendo sido cancelado nos anos 1960, Raio Negro ficou gravado no imaginário dos fãs de super-heróis e ainda hoje surge em publicações independentes e reedições, enfrentando o mal ao lado de novos super-homens brasileiros que tentam derrotar o vilão do desconhecimento entre os leitores.

    BRUNO ALVES É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO E AUTOR DA DISSERTAÇÃO “SUPERPODERES, MALANDROS E HERÓIS: O DISCURSO DA IDENTIDADE NACIONAL NOS QUADRINHOS BRASILEIROS DE SUPER-HERÓIS” (UFPE, 2003).


    Saiba Mais - Bibliografia

    CAVALCANTI, Ionaldo A. Esses Incríveis Heróis de Papel. São Paulo: Editora Mater, 1985.
    GUEDES, Roberto. A Saga dos Super-Heróis Brasileiros. São Paulo: Opera Graphica, 2005.
    ZALLA, Rodolfo. A Arte de Rodolfo Zalla. São Paulo: Editora D-Arte, 1992.


    Saiba Mais - Revista

    Raio Negro. Jaú: Júpiter II (2008-).


    Saiba Mais - Internet

    http://hqquadrinhos.blogspot.com/
    http://www.macaxeirageral.net.br