“A rabeca é muita coisa na minha vida”. O cearense Zequinha Nóbrega tinha 8 anos quando aprendeu a tocar o instrumento, e 13 quando se apresentou pela primeira vez como rabequeiro. Hoje, aos 69 anos, faz apresentações quase todos os finais de semana e atribui ao ofício a possibilidade de ter garantido formação universitária para três dos seus filhos. “A música é uma coisa que eu tenho no sangue. Mas sou apaixonado é pela rabeca, que é um lazer e um ganha-pão”.
De origem árabe e difundida na Península Ibérica durante a Idade Média, a rabeca – espécie de violino rústico, com som mais agudo – chegou ao Brasil com os colonizadores e até hoje é tocada e “fabricada” no país. A formação musical acadêmica está longe de ser obrigatória para os rabequeiros, é por “oitiva” que se expressam. E, assim como o ofício de luthier, o comum é aprender tudo com os próprios pais.Mas o saber de artistas como Zequinha vem se tornando cada vez mais raro. A maioria dos jovens não demonstra muito interesse em aprender o ofício da família. Isto motivou o Gilmar de Carvalho a promover uma pesquisa etnográfica que já dura dez anos. Desde 2004, com recursos próprios e em companhia do fotógrafo Francisco Sousa, ele tem percorrido 184 cidades do Ceará em busca de tocadores do instrumento. O projeto “Rabecas da Tradição – Performance e Luteria” mapeou 180 músicos e foi agraciado pelo Iphan com o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, em 2014.“Sempre senti um certo mal-estar pela ausência das rabecas na cena cultural cearense”, comenta Gilmar de Carvalho, que é professor aposentado de comunicação e tradição na Universidade Federal do Ceará. Documentado em textos, vídeos e fotos, Rabecas da Tradição faz da música um meio de salvaguarda do patrimônio cultural. O pesquisador percebeu que “a rabeca é desejo de fazer som com o que se tem à mão. O luthier tem a liberdade de criar fora dos padrões ortodoxos do violino, construindo instrumentos de vários materiais”.
A pesquisa revelou que o instrumento é mais tocado em locais sem muita comunicação com os grandes centros, como a cidade de Baixio, na fronteira com a Paraíba. É lá que Chico Barbeiro constrói rabecas de PVC, mesmo material com que faz navalhas e bancos para sua barbearia. O som lembra o da guitarra elétrica e a rabeca precisa ser conectada a um amplificador.“A rabeca faz parte de um mundo cultural de manifestações, como o cordel, a zabumba, o pífano. E o mais interessante é que os músicos estão focados no lugar deles. Dali, veem o mundo. Este é um aspecto importante de resistência cultural”, defende Luiz Philippe Torelly, diretor do Departamento de Articulação e Fomento do Iphan.Em março, terminam as andanças pelo Ceará. Depois, Gilmar e Francisco vão se dedicar à edição de um livro com áudio, complementando a obra Rabecas do Ceará (2009). Para o futuro, o plano é pesquisar a tradição em outras partes do Brasil.Para saber mais, acesse www.rabecas.org
Rabequeiro para sempre
Alice Melo e Angélica Fontella