Recine mostra filmes de vanguarda

Roberto Kaz

  • Um caso raro na história cinematográfica ocorreu em 2002: milhares de películas contendo produções históricas ficaram órfãs – sem pai, sem mãe e sem abrigo. Os filmes pertenciam à Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e foram “despejados” por provocarem danos aos quadros, devido à emanação de componentes químicos. Alguns deles foram parar na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. E a maior parte (cerca de 45 mil latas de películas) foi para o Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro. Assim surgiu o Recine, festival de filmes históricos organizado anualmente no próprio Arquivo e que, em cinco anos, cresceu de forma substancial.

    A quinta edição do Recine, que acontece de 11 a 15 de dezembro, apresenta filmes de diferentes vanguardas do cinema. São obras feitas por experimentalistas notórios como Man Ray, Marcel Duchamp, Andy Warhol, Samuel Beckett e os brasileiros Mario Peixoto, Lygia Pape e Hélio Oiticica. Além disso, haverá debates, exposição fotográfica e um show de Tom Zé no pátio central do edifício. Segundo Clóvis Molinari, organizador do festival, o Recine vai tentar mostrar como e por que, nos anos 1910 e 1920, intelectuais passaram a se lançar no campo da arte:

    – No começo, o cinema não queria contar histórias, como acontece com os filmes de Hollywood. Não havia som nem fala, no máximo algumas cartelas. Ele era a imagem pura. Por isso, havia muito mais espaço para o experimentalismo. Esses diretores não queriam grana ou sucesso. Eles queriam fazer da vida deles uma obra de arte, o que era, no mínimo, fascinante. O mercado das artes os odiava, mas, ao mesmo tempo, precisava daquelas inovações. Isto só reapareceria nos anos 1960 e 1970, com os filmes de Glauber Rocha, Pasolini e Godard. Aliás, o festival vai ser aberto com o filme “História do cinema – trechos escolhidos”, feito por Godard e ainda inédito no Brasil.

    Molinari diz que o acervo cinematográfico do Arquivo Nacional é tão rico que ele já sabe (embora prefira fazer suspense) quais serão os temas do Recine nos próximos cinco anos. Levando em conta o que foi mostrado nas edições anteriores, é de se esperar pelo melhor. Em 2003, o festival apresentou trechos de filmes cortados pela Censura Federal durante a ditadura militar. Entre as curiosidades, havia até cartazes de pornochanchadas em que os militares, munidos de canetas Bic, haviam desenhado sutiãs de biquínis sobre os seios nus das moças. Podiam ser homens da vanguarda bélica, mas, definitivamente, não eram homens da vanguarda intelectual.

    A programação completa do festival Recine de 2006 pode ser encontrada no site www.recine.com.br.